1. A lei da natureza humana
Todo o mundo já viu pessoas
discutindo. Às vezes, a discussão soa engraçada; em outras, apenas
desagradável. Como quer que soe, acredito que podemos aprender algo muito
importante ouvindo os tipos de coisas que elas dizem. Dizem, por exemplo:
"Você gostaria que fizessem o mesmo com você?"; "Desculpe, esse
banco é meu, eu sentei aqui primeiro"; "Deixe-o em paz, que ele não
lhe está fazendo nada de mal"; "Por que você teve de entrar na
frente?"; "Dê-me um pedaço da sua laranja, pois eu lhe dei um pedaço
da minha"; e "Poxa, você prometeu!" Essas coisas são ditas todos
os dias por pessoas cultas e incultas, por adultos e crianças.
O que me interessa em todos
estes comentários é que o homem que os faz não está apenas expressando o quanto
lhe desagrada o comportamento de seu interlocutor; está também fazendo apelo a
um padrão de comportamento que o outro deveria conhecer. E esse outro raramente
responde: "Ao inferno com o padrão!" Quase sempre tenta provar que
sua atitude não infringiu este padrão, ou que, se infringiu, ele tinha uma
desculpa muito especial para agir assim. Alega uma razão especial, em seu caso
particular, para não ceder o lugar à pessoa que ocupou o banco primeiro, ou
alega que a situação era muito diferente quando ele ganhou aquele gomo de laranja,
ou, ainda, que um fato novo o desobriga de cumprir o prometido.
Está claro que os envolvidos na
discussão conhecem uma lei ou regra de conduta leal, de comportamento digno ou
moral, ou como quer que o queiramos chamar, com a qual efetivamente concordam.
E eles conhecem essa lei. Se não conhecessem, talvez lutassem como animais
ferozes, mas não poderiam "discutir" no sentido humano desta palavra.
A intenção da discussão é mostrar que o outro está errado. Não haveria sentido
em demonstrá-lo se você e ele não tivessem algum tipo de consenso sobre o que é
certo e o que é errado, da mesma forma que não haveria sentido em marcar a
falta de um jogador de futebol sem que houvesse uma concordância prévia sobre
as regras do jogo. Ora, essa lei ou regra do certo e do errado era chamada de
Lei Natural.
Hoje em dia, quando falamos das
"leis naturais", quase sempre nos referimos a coisas como a
gravitação, a hereditariedade ou as leis da química. Porém, quando os
pensadores do passado chamavam a lei do certo e do errado de "Lei
Natural", estava implícito que se tratava da Lei da Natureza Humana. A
ideia era a seguinte: assim como os corpos são regidos pela lei da gravitação,
e os organismos, pelas leis da biologia, assim também a criatura chamada
"homem" possui uma lei própria - com a grande diferença de que os
corpos não são livres para escolher se vão obedecer à lei da gravitação ou não,
ao passo que o homem pode escolher entre obedecer ou desobedecer à Lei da
Natureza Humana.
Examinemos a questão sob outro
prisma. Todo homem está continuamente sujeito a diversos conjuntos de leis, mas
a apenas um ele é livre para desobedecer. Enquanto corpo, ele é regido pela
gravitação e não pode desobedecê-la; se ficar suspenso no ar, sem apoio, fatalmente
cairá como cairia uma pedra. Enquanto organismo, está sujeito a diversas leis
biológicas, às quais, como os animais, não pode desobedecer. Em outras
palavras, o homem não pode desobedecer às leis que tem em comum com os outros
seres; mas a lei própria da natureza humana, a lei que não é compartilhada nem
pelos animais, nem pelos vegetais, nem pelos seres inorgânicos, a esta lei o
ser humano pode desobedecer, se assim quiser.
Essa lei era chamada de Lei
Natural porque as pessoas pensavam que todos a conheciam naturalmente e não
precisavam que outros a ensinassem. Isso, evidentemente, não significava que
não se pudesse encontrar, aqui e ali, um indivíduo que a ignorasse, assim como
existem indivíduos daltônicos ou desafinados. Considerando a raça humana em
geral, no entanto, as pessoas pensavam que a ideia humana de comportamento
digno ou decente era óbvia para todos. E acredito que essas pessoas tinham
razão.
Se assim não fosse, as coisas
que dizemos a respeito da guerra não teriam sentido nenhum. Se o Certo não for
uma entidade real, que os nazistas, lá no fundo, conhecem tão bem quanto nós e
têm o dever de praticar, qual o sentido de dizer que o inimigo está errado? Se
eles não têm nenhuma noção daquilo que chamamos de Certo, talvez tivéssemos de
combatê-los do mesmo jeito, mas não poderíamos culpá-los pelas suas ações, da
mesma forma que não podemos culpar um homem por ter nascido com os cabelos
louros ou castanhos.
Sei que certas pessoas afirmam
que a ideia de uma Lei Natural ou lei de dignidade de comportamento, conhecida
de todos os homens, não tem fundamento, porque as diversas civilizações e os
povos das diversas épocas tiveram doutrinas morais muito diferentes. Mas isso
não é verdade. E certo que existem diferenças entre as doutrinas morais dos diversos
povos, mas elas nunca chegaram a constituir algo que se assemelhasse a uma
diferença total. Se alguém se der ao trabalho de comparar os ensinamentos
morais dos antigos egípcios, dos babilónios, dos hindus, dos chineses, dos
gregos e dos romanos, ficará surpreso, isto sim, com o imenso grau de
semelhança que eles têm entre si e também com nossos próprios ensinamentos
morais.
Reuni alguns desses dados
concordantes no apêndice que escrevi para um outro livro, chamado The Abolition of Man [A abolição do
homem]. Porém, para os fins que agora temos em vista, basta perguntar ao leitor
como seria uma moralidade totalmente diferente da que conhecemos. Imagine um
país que admirasse aquele que foge do campo de batalha, ou em que um homem se
orgulhasse de trair as pessoas que mais lhe fizeram bem. O leitor poderia
igualmente imaginar um país em que dois e dois são cinco.
Os povos discordaram a respeito
de quem são as pessoas com quem você deve ser altruísta - sua família, seus
compatriotas ou todo o gênero humano; mas sempre concordaram em que você não
deve colocar a si mesmo em primeiro lugar. O egoísmo nunca foi admirado. Os
homens divergiram quanto ao número de esposas que podiam ter, se uma ou quatro;
mas sempre concordaram em que você não pode simplesmente ter qualquer mulher
que lhe apetecer.
O mais extraordinário, porém, é
que, sempre que encontramos um homem a afirmar que não acredita na existência
do certo e do errado, vemos logo em seguida este mesmo homem mudar de opinião.
Ele pode não cumprir a palavra que lhe deu, mas, se você fizer a mesma coisa,
ele lhe dirá "Não é justo!" antes que você possa dizer
"Cristóvão Colombo". Um país pode dizer que os tratados de nada
valem; porém, no momento seguinte, porá sua causa a perder afirmando que o
tratado específico que pretende romper não é um tratado justo. Se os tratados
de nada valem, se não existe um certo e um errado — em outras palavras, se não
existe uma Lei Natural -, qual a diferença entre um tratado justo e um injusto?
Será que, agindo assim, eles não deixam o rabo à mostra e demonstram que, digam
o que disserem, conhecem a Lei Natural tanto quanto qualquer outra pessoa?
Parece, portanto, que só nos
resta aceitar a existência de um certo e um errado. As pessoas podem volta e
meia se enganar a respeito deles, da mesma forma que às vezes erram numa soma;
mas a existência de ambos não depende de gostos pessoais ou de opiniões, da
mesma forma que um cálculo errado não invalida a tabuada. Se concordamos com
estas premissas, posso passar à seguinte: nenhum de nós realmente segue à risca
a Lei Natural. Se existir uma exceção entre os leitores, me desculpo. Será mais
proveitoso que essa pessoa leia outro livro, pois nada do que vou falar lhe diz
respeito. Feita a ressalva, volto aos leitores comuns.
Espero que vocês não se irritem
com o que vou dizer. Não estou fazendo uma pregação, e Deus sabe que não
pretendo ser melhor do que ninguém. Só estou tentando chamar a atenção para um
fato: o de que, neste ano, neste mês ou, com maior probabilidade, hoje mesmo,
todos nós deixamos de praticar a conduta que gostaríamos que os outros tivessem
em relação a nós. Podemos apresentar mil e uma desculpas por termos agido
assim. Você se impacientou com as crianças porque estava cansado; não foi muito
correto naquela questão de dinheiro - questão que já quase fugiu da memória
-porque estava com problemas financeiros; e aquilo que prometeu para fulano ou
sicrano, ah!, nunca teria prometido se soubesse como estaria ocupado nos
últimos dias.
Quanto a seu modo de tratar a
esposa (ou o marido), a irmã (ou o irmão) — se eu soubesse o quanto eles são
irritantes, não me surpreenderia; e, afinal de contas, quem sou eu para me
intrometer? Não sou diferente. Ou seja, nem sempre consigo cumprir a Lei
Natural, e, quando alguém me adverte de que a descumpri, me vem à cabeça um
rosário de desculpas que dá várias voltas ao redor do pescoço. A pergunta que
devemos fazer não é se essas desculpas são boas ou más. O que importa é que
elas dão prova da nossa profunda crença na Lei Natural, quer tenhamos
consciência de acreditar nela, quer não. Se não acreditássemos na boa conduta,
por que a ânsia de encontrar justificativas para qualquer deslize?
A verdade é que acreditamos a
tal ponto na decência e na dignidade, e sentimos com tanta força a pressão da
Soberania da Lei, que não temos coragem de encarar o fato de que a
transgredimos. Logo, tentamos transferir para os outros a responsabilidade pela
transgressão. Perceba que é só para o mau comportamento que nos damos ao
trabalho de encontrar tantas explicações. São somente as fraquezas que
procuramos justificar pelo cansaço, pela preocupação ou pela fome. Nossas boas
qualidades, atribuímo-las a nós mesmos.
São essas, pois, as duas ideias
centrais que pretendia expor. Primeiro, a de que os seres humanos, em todas as
regiões da Terra, possuem a singular noção de que devem comportar-se de uma
certa maneira, e, por mais que tentem, não conseguem se livrar dessa noção. Segundo,
que na prática não se comportam dessa maneira. Os homens conhecem a Lei Natural
e transgridem-na. Esses dois fatos são o fundamento de todo pensamento claro a
respeito de nós mesmos e do universo em que vivemos.
2. Algumas Objeções
Se essas duas ideias são nosso
fundamento, é melhor que eu deixe esse fundamento bem firme antes de seguir em
frente. Algumas das cartas que recebi mostram que um grande número de pessoas
tem dificuldade para compreender o que significa essa Lei da Natureza Humana,
ou Lei Moral, ou Regra de Bom Comportamento.
Certas pessoas, por exemplo, me
escreveram perguntando: "Isso que você chama de Lei Moral não é
simplesmente o nosso instinto gregário? Será que ele não se desenvolveu como
todos os nossos outros instintos?" Não vou negar que possuímos esse
instinto, mas não é a ele que me refiro quando falo em Lei Moral. Todos nós
sabemos o que é ser movido pelo instinto — pelo amor materno, o instinto sexual
ou o instinto da alimentação: sentimos o forte desejo ou impulso de agir de
determinada maneira. E é claro que, às vezes, sentimos o desejo intenso de
ajudar outra pessoa. Isso se deve, sem dúvida, ao instinto gregário. No
entanto, sentir o desejo intenso de ajudar é bem diferente de sentir a obrigação
imperiosa de ajudar, quer o queiramos, quer não.
Suponhamos que você ouça o grito
de socorro de um homem em perigo. Provavelmente sentirá dois desejos: o de
prestar socorro (que se deve ao instinto gregário) e o de fugir do perigo (que
se deve ao instinto de auto-preservação). Mas você encontrará dentro de si,
além desses dois impulsos, um terceiro elemento, que lhe mandará seguir o
impulso da ajuda e suprimir o impulso da fuga. Esse elemento, que põe na
balança os dois instintos e decide qual deles deve ser seguido, não pode ser
nenhum dos dois.
Você poderia pensar também que a
partitura musical, que lhe manda, num determinado momento, tocar tal nota no
piano e não outra, é equivalente a uma das notas no teclado. A Lei Moral nos
informa da melodia a ser tocada; nossos instintos são meras teclas.
Há outra maneira de perceber que
a Lei Moral não é simplesmente um de nossos instintos. Se existe um conflito
entre dois instintos e, na mente dessa criatura, não há mais nada além desses
instintos, é óbvio que o instinto mais forte tem de prevalecer. Porém, nos
momentos em que enxergamos a Lei Moral com maior clareza, ela geralmente nos
aconselha a escolher o impulso mais fraco. Provavelmente, seu desejo de ficar a
salvo é maior do que o desejo de ajudar o homem que se afoga, mas a Lei Moral
lhe manda ajudá-lo, apesar dos pesares. E, em geral, ela nos manda tomar o
impulso correto e tentar torná-lo mais forte do que originalmente era - não é
mesmo?
Ou seja, sentimos que temos o
dever de estimular nosso instinto gregário, por exemplo, despertando a
imaginação e estimulando a piedade, entre outras coisas, para termos força para
agir corretamente na hora certa. E evidente, porém, que, no momento em que decidimos
tornar mais forte um instinto, nossa ação não é instintiva. Aquilo que lhe diz:
"Seu instinto está adormecido, desperte-o!", não pode ser o próprio
instinto. O que lhe manda tocar tal nota no piano não pode ser a própria nota.
Há ainda uma terceira maneira de
ver a Lei Moral. Se ela fosse um de nossos instintos, seríamos capazes de
identificar dentro de nós um impulso que sempre pudéssemos chamar de
"bom" segundo a regra da boa conduta. Mas isso não acontece. Não
existe nenhum impulso que às vezes a Lei Moral não nos aconselhe a inibir, nem
outro que ela não nos encoraje a praticar de vez em quando. É um erro achar que
alguns de nossos impulsos, como o amor materno e o patriotismo, são bons, e
outros, como o instinto sexual e a agressividade, são maus.
Tudo o que queremos dizer é que
existem mais situações em que o instinto de luta e o desejo sexual devem ser
contidos do que situações em que devemos conter o amor materno e o patriotismo.
No entanto, em certas ocasiões, é dever do homem casado encorajar seu impulso
sexual, e do soldado fomentar sua agressividade. Existem também oportunidades
em que a mãe deve re-frear o amor pelo filho, ou um homem deve conter o amor
por seu país, para que não cometam injustiça contra outras crianças ou outros
países.
A rigor, não existem impulsos
bons e impulsos maus. Voltemos ao piano. Não há nele dois tipos de notas, as
"certas" e as "erradas". Cada uma das notas é certa para
uma determinada ocasião e errada para outra. A Lei Moral não é um instinto
particular ou um conjunto de instintos; é como um maestro que, regendo os
instintos, define a melodia que chamamos de bondade ou boa conduta.
Este tema, aliás, tem grandes
consequências práticas. A coisa mais perigosa que podemos fazer é tomar um
certo impulso de nossa natureza como critério a ser seguido custe o que custar.
Não existe um único impulso que, erigido em padrão absoluto, não tenha o poder de
nos transformar em demônios. Talvez você pense que o amor pela humanidade em
geral é livre de perigos, mas isso não é verdade. Se deixarmos de lado o senso
de justiça, logo estaremos violando acordos e falsificando provas judiciais em
prol do "bem da humanidade". Teremos então nos tornado homens cruéis
e desleais.
Outras pessoas me escreveram
perguntando: "Isso que você chama de Lei Moral não é somente uma convenção
social, algo que nos foi incutido pela nossa educação?" Acredito que essas
pessoas incorrem num mal-entendido. Elas tomam por pressuposto que, se aprendemos
alguma regra de nossos pais e professores, essa regra é uma simples invenção
humana. Mas é evidente que isso não é verdade. Todos aprendemos a tabuada na
escola. Uma criança que crescesse sozinha numa ilha deserta não a aprenderia.
Mas salta à vista que a tabuada não é apenas uma convenção humana, algo que os
seres humanos fizeram para si e que poderiam ter feito diferente se assim
quisessem.
Concordo plenamente que aprendemos
a Regra de Boa Conduta dos pais e professores, dos amigos e dos livros, assim
como aprendemos todas as outras coisas. Porém, certas coisas que aprendemos são
meras convenções que poderiam ser diferentes - aprendemos a manter-nos à
direita na estrada, mas a regra poderia ser manter-se à esquerda -, e outras
coisas, como a matemática, são verdades. A pergunta a ser feita é a qual das
duas classes pertence a Lei da Natureza Humana.
Há duas razões para afirmar que
ela pertence à mesma classe que a da matemática. A primeira, expressa no
primeiro capítulo, é que, apesar de haver diferenças entre as ideias morais de
certa época ou país e as de outros tempos ou lugares, essas diferenças, na
realidade, não são muito grandes - nem de longe são tão importantes quanto a maioria
das pessoas imagina -, e, assim, podemos reconhecer a mesma lei dentro de todas
elas; ao passo que as meras convenções, como o sentido do trânsito ou os tipos
de vestimenta, diferem largamente.
A segunda razão é a seguinte:
quando você considera as diferenças morais entre um povo e outro, não pensa que
a moral de um dos dois é sempre melhor ou pior que a do outro? Será que as
mudanças que se constatam entre elas não foram mudanças para melhor? Caso a resposta
seja negativa, então está claro que nunca houve um progresso moral. O progresso
não significa apenas uma mudança, mas uma mudança para melhor. Se um conjunto
de ideias morais não fosse melhor do que outro, não haveria sentido em preferir
a moral civilizada à moral bárbara, ou a moral cristã à moral nazista.
É ponto pacífico que a
moralidade de alguns povos é melhor que a de outros. Acreditamos também que
certas pessoas que tentaram mudar os conceitos morais de sua época foram o que
chamaríamos de Reformadores ou Pioneiros - pessoas que entenderam melhor a
moral do que seus contemporâneos. Pois muito bem. No momento em que você diz
que um conjunto de ideias morais é superior a outro, está, na verdade,
medindo-os ambos segundo um padrão e afirmando que um deles é mais conforme a
esse padrão que o outro.
O padrão que os mede, no
entanto, difere de ambos. Você está, na realidade, comparando as duas coisas
com uma Moral Verdadeira e admitindo que existe algo que se pode chamar de O
Certo, independentemente do que as pessoas pensam; e está admitindo que as
ideias de alguns povos se aproximaram mais desse Certo que as ideias de outros
povos. Ou, em outras palavras: se as suas noções morais são mais verdadeiras
que as dos nazistas, deve existir algo - uma Moral Verdadeira — que seja o
objeto a que essa verdade se refere.
A razão pela qual sua concepção
de Nova York pode ser mais verdadeira ou mais falsa que a minha é que Nova York
é um lugar real, cuja existência independe do que eu ou você pensamos a seu
respeito. Se, quando mencionássemos Nova York, tudo o que pensássemos fosse
"a cidade que existe na minha cabeça", como é que um de nós poderia
estar mais próximo da verdade do que o outro? Não haveria medida de verdade ou
de falsidade. Do mesmo modo, se a Regra da Boa Conduta significasse simplesmente
"tudo que cada povo aprova", não haveria sentido em dizer que uma
nação está mais correta do que a outra, nem que o mundo se torna moralmente
melhor ou pior.
Concluo, portanto, que, apesar
de as diferenças de ideias a respeito da Boa Conduta nos levarem a suspeitar de
que não existe uma verdadeira Lei de Conduta natural, as coisas que estamos
naturalmente propensos a pensar provam justamente o contrário. Algumas palavras
antes de terminar: conheci pessoas que exageraram essas diferenças, por terem
confundido as diferenças morais com as meras diferenças de crença a respeito
dos fatos.
Por exemplo, um homem me
perguntou certa vez: 'Trezentos anos atrás, as bruxas na Inglaterra eram queimadas
na fogueira. E isso que você chama de Regra da Natureza Humana ou de Boa
Conduta?" Mas é claro que a razão pela qual não se executam mais bruxas
hoje em dia é que não acreditamos que elas existam. Se acreditássemos - se
realmente pensássemos que existem pessoas entre nós que venderam a alma para o
diabo, receberam em troca poderes sobrenaturais e usaram esses poderes para
matar ou enlouquecer os vizinhos, ou para provocar calamidades naturais —,
certamente concordaríamos que, se alguém merecesse a pena de morte, seriam
essas sórdidas traidoras.
Não há aqui uma diferença de
princípios morais, apenas de enfoque dos fatos. Pode ser que o fato de não
acreditarmos em bruxas seja um grande avanço do conhecimento, mas não existe
avanço moral algum em deixar de executá-las quando pensamos que elas não
existem. Não consideraríamos misericordioso um homem que não armasse ratoeiras
por não acreditar que houvesse ratos na casa.
3. A realidade da lei
Volto agora ao que disse no
final do primeiro capítulo: que a raça humana tem duas características
curiosas. Em primeiro lugar, que os homens são assombrados pela ideia de um
padrão de comportamento que se sentem obrigados a pôr em prática, o qual se
poderia chamar de conduta leal, decência, moralidade ou Lei Natural. Em segundo
lugar, que eles não o põem em prática. Alguns de vocês podem se perguntar por
que razão chamei de "curioso" isso que pode lhes parecer a coisa mais
natural do mundo.
Em especial, talvez vocês me
tenham achado muito duro com a humanidade; afinal de contas, aquilo que chamei
de transgressão da Lei do Certo e do Errado, ou da Lei Natural, significa
somente que ninguém é perfeito. E por que, ó céus, esperaria eu o contrário?
Essa seria uma boa resposta se tudo o que eu pretendesse fosse medir numa
balança a culpa exata que cabe a cada um de nós por não nos termos portado como
queremos que os outros se portem. Não é essa, porém, a tarefa que me propus.
Nesta investigação, não estou preocupado com a culpa; estou tentando descobrir
a Verdade. Desse ponto de vista, a própria ideia de imperfeição, de algo que
não é o que deveria ser, tem suas consequências.
Se considerarmos um ente como
uma pedra ou uma árvore, ele é o que é e não há sentido em dizer que deveria
ser de outro jeito. E claro que podemos dizer que a pedra tem "a forma
errada" se pretendemos usá-la para uma construção, ou que uma árvore não é
boa porque não faz sombra suficiente. Porém, isso significa tão-somente que a
pedra ou a árvore não se prestam ao uso que queremos fazer delas; não as
culpamos de terem tais ou quais características, a não ser como piada. Temos
consciência de que, dado um determinado clima e tipo de solo, a árvore não
poderia ser em nada diferente do que é. A árvore que, de nosso ponto de vista,
chamamos de "má" obedece às leis de sua natureza tanto quanto a que
chamamos de "boa".
Vocês vêem aonde quero chegar? E
que o que nós costumamos chamar de leis naturais — o modo pelo qual o clima age
sobre a planta, por exemplo — não são leis no sentido estrito da palavra. Essa
é só uma maneira de dizer. Quando afirmamos que uma pedra obedece à lei da
gravidade, isso não é, por acaso, o mesmo que dizer que essa lei significa
apenas "o que a pedra sempre faz"? Não pensamos realmente que a
pedra, quando é solta, subitamente se lembra de que tem o dever de cair. Tudo o
que queremos dizer é que ela, de fato, cai.
Em outras palavras, não podemos
ter certeza de que exista algo superior aos fatos mesmos, uma lei que determine
o que deve acontecer e que seja diferente do que efetivamente acontece. As leis
da natureza, quando aplicadas às árvores ou pedras, podem significar apenas
"o que a Natureza efetivamente faz". Mas, se nos voltarmos para a Lei
da Natureza Humana, ou Lei da Boa Conduta, a história é outra. E ponto pacífico
que ela não significa "o que os seres humanos efetivamente fazem", já
que, como eu disse antes, muitos deles não obedecem em absoluto a essa lei, e
nenhum deles a observa integralmente.
A lei da gravidade nos diz o que
a pedra faz quando cai; já a Lei da Natureza Humana nos diz o que os seres
humanos deveriam fazer e não fazem. Ou seja, quando tratamos de seres humanos,
existe algo além e acima dos fatos. Existem os fatos (como os homens se
comportam) e também uma outra coisa (como deveriam se comportar). No resto do
universo, não há necessidade de outra coisa que não os fatos. Elétrons e moléculas
comportam-se de determinada maneira e disso decorrem certos resultados, e
talvez o assunto pare aí. Os homens, no entanto, comportam-se de determinada
maneira e o assunto não pára aí, já que estamos sempre conscientes de que o
comportamento deles deveria ser diferente.
Isso é tão singular que ficamos
tentados a nos enganar com falsas explicações. Podemos, por exemplo, afirmar
que, quando você diz que um homem não deveria fazer o que fez, quer dizer a
mesma coisa quando assevera que a pedra tem a forma errada: ou seja, que a
atitude dele é inconveniente para você. Mas isso é simplesmente falso. Um homem
que chega primeiro no trem e ocupa um bom assento é tão inconveniente quanto um
homem que tira minha mala do assento e o ocupa sorrateiramente enquanto estou
de costas.
Porém, não culpo o primeiro
homem, mas culpo o segundo. Não fico bravo - exceto talvez por um breve
momento, até recuperar a razão - com uma pessoa que por acidente me faz
tropeçar, mas ficou bravo com alguém que tenta me fazer tropeçar de propósito,
mesmo que não consiga. Porém, foi a primeira pessoa que efetivamente me
machucou, e não a segunda. Às vezes, o comportamento que julgo mau não é
inconveniente para mim de modo algum, muito pelo contrário. Na guerra, cada um
dos lados beligerantes achará muito útil um traidor do lado oposto; porém,
apesar de usá-lo e de recompensá-lo pelos serviços prestados, o considerará um
verme em forma humana.
Assim, não podemos dizer que o
que chamamos de boa conduta alheia é simplesmente a conduta que nos é útil. E,
quanto à nossa boa conduta, parece-me óbvio que não se trata da que nos traz
vantagens. Trata-se, isto sim, de ficar contente com 30 xelins quando
poderíamos ter ganho três libras; de fazer o dever de casa honestamente quando
poderíamos copiar o do vizinho; de respeitar uma moça quando gostaríamos de ir
para a cama com ela; de não nos afastar de um posto perigoso quando poderíamos
escapar para um lugar mais seguro; de manter a palavra quando preferiríamos
faltar com ela; de falar a verdade mesmo que assim pareçamos idiotas perante os
outros.
Certas pessoas dizem que, apesar
de a boa conduta não ser o que traz vantagens para cada pessoa individualmente,
pode significar o que traz vantagens para a humanidade como um todo; e,
portanto, a coisa não seria tão misteriosa. Os seres humanos, no fim das contas,
possuem algum bom senso; percebem que a segurança e a felicidade só são
possíveis numa sociedade em que cada qual age com lealdade, e é por perceber
isso que tentam conduzir-se com decência.
Ora, é perfeitamente verdadeira
a ideia de que a segurança e a felicidade só podem vir quando os indivíduos, as
classes sociais e os países são honestos, justos e bons uns com os outros. E
uma das verdades mais importantes do mundo. Ela só não consegue explicar por
que temos tais e tais sentimentos diante do Certo e do Errado. Se eu perguntar:
"Por que devo ser altruísta?", e você responder: "Porque isso é
bom para a sociedade", poderei retrucar: "Por que devo me importar
com o que é bom para a sociedade se isso não me traz vantagens pessoais?",
ao que você terá de responder: "Porque você deve ser altruísta" - o
que nos leva de volta ao ponto de partida.
O que você diz é verdade, mas
não nos faz avançar. Se um homem pergunta o motivo de se jogar futebol, de nada
adianta responder que é "fazer gois", pois tentar fazer gois é o
próprio jogo, e não o motivo pelo qual o jogamos. No final, estamos dizendo
somente que "futebol é futebol" - o que é verdade, mas não precisa
ser dito. Da mesma forma, se uma pessoa pergunta o motivo de se agir com
decência, não vale a pena responder "para o bem da sociedade", pois
tentar beneficiar a sociedade, ou, em outras palavras, ser altruísta (pois
"sociedade", no fim das contas, significa apenas "as outras
pessoas"), é um dos elementos da decência.
Tudo o que se estará dizendo é
que uma conduta decente é uma conduta decente. Teríamos dito a mesma coisa se
tivéssemos parado na declaração de que "As pessoas devem ser
altruístas". E é nesse ponto que eu paro. Os homens devem ser altruístas,
devem ser justos. Não que os homens sejam altruístas ou gostem de sê-lo, mas
que devem sê-lo. A Lei Moral, ou Lei da Natureza Humana, não é simplesmente um
fato a respeito do comportamento humano, como a Lei da Gravidade é ou pode ser
simplesmente um fato a respeito do comportamento dos objetos pesados.
Por outro lado, não é mera
fantasia, pois não conseguimos nos desvencilhar dessa ideia; se conseguíssemos,
a maior parte das coisas que dizemos sobre os homens seria absurda. Ela também
não é uma simples declaração de como gostaríamos que os homens se comportassem
para a nossa conveniência, pois o comportamento que taxamos de mau ou injusto
nem sempre é inconveniente, e, muitas vezes, é exatamente o contrário.
Consequentemente, essa Regra do
Certo e do Errado, ou Lei da Natureza Humana, ou como quer que você queira
chamá-la, deve ser uma Verdade - uma coisa que existe realmente, e não uma
invenção humana. E, no entanto, não é um fato no mesmo sentido em que o
comportamento efetivo das pessoas é um fato. Começa a ficar claro que teremos
de admitir a existência de mais de um plano de realidade; e que, neste caso em
particular, existe algo que está além e acima dos fatos comuns do comportamento
humano, algo que no entanto é perfeitamente real - uma lei verdadeira, que nenhum
de nós elaborou, mas que nos sentimos obrigados a cumprir.
4. O que existe por trás da lei
Vamos fazer um resumo de tudo o
que vimos até aqui. No caso das pedras, das árvores e de coisas dessa natureza,
o que chamamos de Lei Natural pode não ser nada além de uma força de expressão.
Quando você diz que a natureza é governada por certas leis, quer dizer apenas
que a natureza, de fato, se comporta de certa forma. As chamadas
"leis" talvez não tenham realidade própria, talvez não estejam além e
acima dos fatos que podemos observar. No caso do homem, porém, percebemos que
as coisas não são bem assim. A Lei da Natureza Humana, ou Lei do Certo e do
Errado, é algo que transcende os fatos do comportamento humano. Neste caso,
além dos fatos em si, existe outra coisa - uma verdadeira lei que não
inventamos e à qual sabemos que devemos obedecer.
Quero considerar agora o que
isso nos diz sobre o universo em que vivemos. Desde que o homem se tornou capaz
de pensar, ele se pergunta no que consiste o universo e como ele veio a
existir. Grosso modo, dois pontos de vista foram sustentados. O primeiro deles
é o que chamamos de materialista. Quem o adota afirma que a matéria e o espaço
simplesmente existem e sempre existiram, ninguém sabe por quê. A matéria, que
se comporta de formas fixas, veio, por algum acidente, a produzir criaturas
como nós, criaturas capazes de pensar.
Numa chance em mil, um corpo se
chocou contra o sol e gerou os planetas. Por outra chance infinitesimal, as
substâncias químicas necessárias à vida e a temperatura correta se fizeram
presentes num desses planetas, e, assim, uma parte da matéria desse planeta
ganhou vida. Depois, por uma longuíssima série de coincidências, as criaturas
viventes se desenvolveram até se tornarem seres como nós. O outro ponto de
vista é o religioso. Segundo ele, o que existe por trás do universo se
assemelha mais a uma mente que a qualquer outra coisa conhecida.
Ou seja, é algo consciente e
dotado de objetivos e preferências. De acordo com essa visão, esse ser criou o
universo. Alguns dos seus desígnios são ocultos, enquanto outros são bastante
claros: produzir criaturas semelhantes a si mesmo — quero dizer, semelhantes na
medida em possuem mentes. Por favor, não pensem que um destes pontos de vista
era sustentado há muito tempo e aos poucos foi cedendo lugar ao outro. Onde
quer que tenha havido homens pensantes, os dois pontos de vista sempre
apareceram de uma forma ou de outra.
Notem também que, para saber
qual deles é o correto, não podemos apelar à ciência no sentido comum dessa
palavra. A ciência funciona a partir da experiência e observa como as coisas se
comportam. Todo enunciado científico, por mais complicado que pareça à primeira
vista, na verdade significa algo como "apontei o telescópio para tal parte
do céu às 2h20min do dia 15 de janeiro e vi tal e tal fenómeno", ou
"coloquei um pouco deste material num recipiente, aqueci-o a uma
temperatura X e tal coisa aconteceu". Não pensem que eu esteja
desmerecendo a ciência; estou apenas mostrando para que ela serve. Quanto mais
sério for o homem de ciência, mais (no meu entender) ele concordará comigo
quanto ao papel dela - papel, aliás, extremamente útil e necessário.
Agora, perguntas como "Por
que algo veio a existir?" e "Será que existe algo - algo de outra
espécie — por trás das coisas que a ciência observa?" não são perguntas
científicas. Se existe "algo por trás", ou ele há de manter-se
totalmente desconhecido para o homem ou far-se-á revelar por outros meios. A
ciência não pode dizer nem que este ser existe nem que não existe, e os
verdadeiros cientistas geralmente não fazem essas declarações. São quase sempre
jornalistas e romancistas de sucesso que as produzem a partir de informações
coletadas em manuais de ciência popular e assimiladas de maneira imperfeita.
Afinal de contas, tudo não passa de uma questão de bom senso. Suponha que a
ciência algum dia se tornasse completa, tendo o conhecimento total de cada mínimo
detalhe do universo. Não é óbvio que perguntas como "Por que existe um
universo?", "Por que ele continua existindo?" e "Qual o
significado de sua existência?" continuariam intactas?
Deveríamos perder as esperanças,
não fosse por um detalhe. No universo inteiro, existe uma coisa, e somente uma,
que nós conhecemos melhor do que conheceríamos se contássemos somente com a
observação externa. Essa coisa é o Ser Humano. Nós não nos limitamos a observar
o ser humano, nós somos seres humanos. Nesse caso, podemos dizer que as
informações que possuímos vêm "de dentro". Estamos a par do assunto.
Por causa disto, sabemos que os seres humanos estão sujeitos a uma lei moral
que não foi criada por eles, que não conseguem tirar do seu horizonte mesmo
quando tentam e à qual sabem que devem obedecer.
Alguém que estudasse o homem
"de fora", da maneira como estudamos a eletricidade ou os repolhos,
sem conhecer a nossa língua e, portanto, impossibilitado de obter conhecimento
do nosso interior, não teria a mais vaga ideia da existência desta lei moral a
partir da observação de nossos atos. Como poderia ter? Suas observações se
resumiriam ao que fazemos, ao passo que essa lei diz respeito ao que deveríamos
fazer. Do mesmo modo, se existe algo acima ou por trás dos fatos observados
sobre as pedras ou sobre o clima, nós, estudando-os de fora, não temos a menor
esperança de descobrir o que ele é.
A natureza da questão é a
seguinte: queremos saber se o universo simplesmente é o que é, sem nenhuma
razão especial, ou se existe por trás dele um poder que o produziu tal como o
conhecemos. Uma vez que esse poder, se ele existe, não seria um dos fatos
observados, mas a realidade que os produziu, a mera observação dos fenômenos
não pode encontrá-lo. Existe apenas um caso no qual podemos saber se esse
"algo mais" existe; a saber, o nosso caso. E, nesse caso, constatamos
que existe.
Ou examinemos a questão de outro
ângulo. Se existisse um poder exterior que controlasse o universo, ele não
poderia se revelar para nós como um dos fatos do próprio universo - da mesma
forma que o arquiteto de uma casa não pode ser uma de suas escadas, paredes ou
lareira. A única maneira pela qual podemos esperar que esta força se manifeste
é dentro de nós mesmos, como uma influência ou voz de comando que tente nos
levar a adotar uma determinada conduta.
É justamente isso que
descobrimos dentro de nós. Já não deveríamos ficar com a pulga atrás da orelha?
No único caso em que podemos encontrar uma resposta, ela é positiva; nos
outros, em que não há respostas, entendemos por que não podemos encontrá-las.
Suponha que alguém me perguntasse, acerca de um homem de uniforme azul que
passa de casa em casa depositando envelopes de papel em cada uma delas, por
que, afinal, eu concluo que dentro dos envelopes existem cartas. Eu
responderia: "Porque sempre que ele deixa envelopes parecidos na minha
casa, dentro deles há uma carta para mim”.
Se o interlocutor objetasse:
"Mas você nunca viu as cartas que supõe que as outras pessoas
recebam", eu diria: "E claro que não, e nem quero vê-las, porque não
foram endereçadas a mim. Eu imagino o conteúdo dos envelopes que não posso abrir
pelo dos envelopes que posso”. O mesmo se dá aqui. O único envelope que posso
abrir é o Ser Humano. Quando o faço, e especialmente quando abro o Ser Humano
chamado "Eu", descubro que não existo por mim mesmo, mas que vivo sob
uma lei, que algo ou alguém quer que eu me comporte de determinada forma.
É claro que não acho que, se
pudesse entrar na existência de uma pedra ou de uma árvore, encontraria
exatamente a mesma coisa, assim como não acho que as pessoas da minha rua
recebam exatamente as mesmas cartas que eu. Devo concluir que a pedra, por
exemplo, tem de obedecer à lei da gravidade - que, enquanto o missivista se
limita a aconselhar-me a obedecer à lei da minha natureza, ele obriga a pedra a
obedecer às leis de sua natureza pétrea. O que não consigo negar é que, em
ambos os casos, existe, por assim dizer, esse missivista, um Poder por trás dos
fatos, um Diretor, um Guia.
Não pense que estou indo mais
rápido do que estou na realidade. Ainda não estou nem perto do Deus da teologia
cristã. Tudo o que obtive até aqui é a evidência de Algo que dirige o universo
e que se manifesta em mim como uma lei que me incita a praticar o certo e me
faz sentir incomodado e responsável pelos meus erros. Segundo me parece, temos
de supor que esse Algo é mais parecido com uma mente do que com qualquer outra
coisa conhecida — porque, afinal de contas, a única outra coisa que conhecemos
é a matéria, e ninguém jamais viu um pedaço de matéria dar instruções a alguém.
Por: C. S. Lewis.
(Extraído do livro: “Cristianismo Puro e
Simples”)
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