Pergunta:
Sempre escuto com prazer você
falar, e, sobretudo, amo as partes do interrogatório e das perguntas e
respostas de seus debates. Foi um prazer conhecê-lo na conferência em Atlanta.
Minha pergunta está relacionada
com a natureza da inspiração da Escritura. Crentes debatem sobre a diferença
entre inspiração e inerrância e muitas vezes discutem sobre a definição do que
significa ser inerrante (discussão que, a meu ver, conduz às vezes à má exegese
e hermenêutica visto que são forçados a enquadrarem uma interpretação que, na
verdade, não é razoável, em virtude de uma visão de inerrância que Deus pode
não ter pretendido).
Como ateu, cheguei à fé
principalmente ao ler a Bíblia por um ano. Uma vez que a segunda seção do livro
que estou escrevendo é sobre a inspiração da Escritura, tenho dedicado muito
tempo pensando em como convencer os incrédulos. Em meu estudo, um pensamento
estranho me sobreveio. Não importa se o Novo Testamento é inerrante ou mesmo
inspirado – só o que importa é se ele é verdadeiro.
Se os escritores dos evangelhos
registraram de forma precisa o que Jesus disse e fez, e se Lucas preservou a
história desde cerca do ano 30 ao 62 AD, e se os autores das epístolas
escreveram sobre o que aprenderam com Jesus e os apóstolos, então, temos tudo
que precisamos para nos tornarmos cristãos e termos um relacionamento com Deus.
Pessoas se tornaram discípulas
de Jesus por mais de duas décadas antes do Novo Testamento começar a ser
escrito! Não me entenda mal – eu acredito que o NT seja inspirado, como 2ª Timóteo
3 e 1 Pedro indicam (embora ambos se refiram ao Antigo Testamento. 2ª Pedro
3:16 se refere às cartas de Paulo como Escritura, e Paulo cita ou parafraseia o
evangelho de Lucas em mais de uma ocasião).
Entretanto, tenho percebido que
muitos apologistas especializados (incluindo você mesmo), não argumentam a
favor da inspiração da Escritura em debates, mas sim pela sua precisão
histórica.
Minha pergunta é: nós realmente
precisamos argumentar com base na inspiração e na inerrância? Não seria melhor
argumentarmos que as Escrituras são confiáveis? Assim fazendo, silenciamos
aqueles (como Bart Ehrman ou Shabir Ally) que se valem das discrepâncias entre
os relatos para fugirem do ponto central (muitas das quais são fáceis de
explicar, de qualquer modo). Obrigado por escolher minha pergunta e por ajudar
tantas pessoas.
Joe,
Estados Unidos.
Dr. Craig responde:
Ao lidar com sua pergunta, Joe,
é importante que façamos a distinção entre as diferentes tarefas da apologética
e da teologia. A tarefa da apologética é apresentar uma justificação racional
para a verdade da cosmovisão cristã. Por "Cosmovisão Cristã", não me
refiro ao conjunto completo das doutrinas cristãs. Refiro-me aos elementos gerais de uma visão
que a tornaria digna de ter aposto a si o rótulo de "cristã". De
maneira mais simples, trata-se do que é necessário e suficiente acreditar a fim
de se tornar um cristão. Este tipo de compreensão minimalista da visão de mundo
cristã é o que C. S. Lewis chamou de "Cristianismo Puro e Simples".
As colunas centrais da
cosmovisão cristã me parecem ser a existência de Deus e Sua decisiva
autorevelação em Jesus, demonstrada na Sua ressurreição dos mortos. Se alguém
passa a crer nesses dois pontos, então, esse alguém deve se tornar um cristão,
e o resto é questão de trabalhar os detalhes.
Agora, como você percebe, para
que se forneça uma justificação para essas duas crenças, não precisamos afirmar
a inspiração bíblica, e muito menos a inerrância. Os argumentos da teologia
natural para a existência de Deus não dependem da inerrância bíblica, nem
tampouco da demonstração dos fatos cruciais da vida de Jesus de Nazaré,
incluindo Sua alegações radicais, nas quais se colocava no lugar de Deus, e os
eventos chave que fundamentam a inferência de Sua ressurreição dos mortos.
Apologistas cristãos populares
já há um tempo defendem, da boca pra fora, este ponto da inerrância, mas não o
levaram a sério, como se revela ao utilizarem-se de harmonizações implausíveis
a fim de defenderem os relatos dos evangelhos contra qualquer alegação de erro.
Tais medidas são desnecessárias. A verdade é que hoje os fatos centrais que apoiam
a inferência da ressurreição de Jesus são admitidos pela ampla maioria dos
eruditos do Novo Testamento, até mesmo por aqueles que entendem que os evangelhos
estão cheios de erros e inconsistências.
Por exemplo, Wolfhart
Pannenberg, meu orientador no doutorado, argumentava em favor da historicidade
da ressurreição de Jesus e do túmulo vazio, embora acreditasse que as histórias
sobre o túmulo vazio são tão lendárias que elas não possuem "sequer um
núcleo de verdade histórica". Eu penso que Pannenberg subestimou
seriamente a credibilidade histórica dos relatos do túmulo vazio,
principalmente em virtude do trabalho do crítico alemão Hans Grass; mas,
deixando isso de lado: o fato é que Pannenberg ilustra bem como alguém pode ter
uma crença na ressurreição corporal de Jesus que seja historicamente
justificada, sem estar comprometido com a inerrância dos textos.
Então, eu quase nunca argumento
com um incrédulo em torno da inerrância bíblica. Estou disposto a consentir,
como ponto de partida para a discussão, com todos os erros e inconsistências do
Antigo e Novo Testamentos que ele quiser levantar, enquanto que eu insisto que
os documentos reunidos para o que depois foi chamado de Novo Testamento são
fundamentalmente confiáveis no que tange aos fatos centrais que embasam as
alegações e o destino de Jesus de Nazaré. Para a tarefa da apologética, de
fato, não importa se Jesus nasceu em Belém, qual dia da semana ele foi
crucificado, quantos anjos estavam na tumba e assim por diante. Contanto que os
fatos centrais estejam assegurados, o incrédulo deve se tornar um cristão.
No que se refere à missão da
teologia, as coisas são diferentes. O dever da teologia é apresentar
sistematicamente as verdades ensinadas nas Escrituras. Deste modo, procura-se
desenvolver um sistema coerente de doutrina que seja fiel à Escritura. Baseado
no que se julga ser o melhor sentido da Escritura, desenvolve-se um conjunto
mais detalhado da doutrina cristã. Isso incluirá doutrinas acerca do que a
Escritura tem a dizer sobre ela mesma.
Lewis reconheceu que ninguém
deveria ficar com o "Cristianismo Puro e Simples" meramente. O
"Cristianismo Puro e Simples", ele disse, é como um salão de entrada
que leva para vários aposentos. Ninguém se contenta em permanecer no salão de
entrada; são nos aposentos onde se encontram as lareiras, os sofás e as
conversas. Então, depois de passar pelo salão de entrada, a pessoa se encaminhará
para os aposentos nos quais encontrará cristãos protestantes, católicos,
ortodoxos e coptas. Por fim, ela vai encontrar uma sala onde se sinta mais
confortável com as doutrinas que estão ali estabelecidas.
Assim, em meu curso
"Defensores", que estuda a doutrina cristã, o primeiro assunto que
consideramos é a Doutrina da Revelação, ou seja, como Deus se revelou, a qual
abrange doutrinas sobre a inspiração e a inerrância da Escritura. A crença de
que a Escritura não é simplesmente um ensinamento humano mas a própria Palavra
de Deus para nós será importante no viver a vida cristã. Ela também fornecerá
um guia autoritativo para desenvolver o restante da doutrina de Cristo.
Portanto, em resposta às suas
perguntas, nós não precisamos "argumentar com base na inspiração e na
inerrância" frente aos incrédulos; contudo, precisamos estudar essas
questões com nossos companheiros cristãos. Lidando com incrédulos, devemos
simplesmente defender que os documentos que formam o Novo Testamento são
confiáveis o bastante para assegurar as crenças de que Jesus via a si próprio
como o Messias, o único Filho de Deus, e como o Filho do Homem mencionado em
Daniel; que Sua crucificação, sepultamento, o túmulo vazio, Suas aparições
pós-morte, e a origem da crença dos primeiros discípulos em Sua ressurreição
são historicamente bem fundamentados. Ao nos dirigir a crentes cristãos, temos
de examinar a natureza da inspiração bíblica e o que dela decorre para a
veracidade da Escritura.
Tradução: Reginaldo
Castro.
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