domingo, 28 de dezembro de 2014

As cinco vias de Tomás de Aquino

 

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O trecho abaixo é extraído de meu livro: "As Provas da Existência de Deus", de autoria minha e de Emmanuel Dijon, disponível gratuitamente para download
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No século XIII o teólogo e filósofo Tomás de Aquino propôs cinco vias para a existência de Deus. Por mais que muitos séculos tenham se passado desde então, seus argumentos expostos em sua Suma Teológica permanecem intactos, pois são refinados pela mais alta classe da retórica filosófica. Iremos resumir seus cinco principais argumentos a seguir.


1º A Prova do Movimento

A primeira prova é a do movimento. Nas palavras de Tomás de Aquino, “é certo, e está de acordo com nossa experiência, que algo se move no mundo. Tudo o que se move é movido por outra coisa... já que mover não é senão fazer algo passar de potência para ato; ora, mas nada pode passar de potência para ato senão por meio de um ser que já está em ato”[1].

Diferentemente de Parmênides, que cria que o movimento não passa de uma ilusão, nós sabemos que as coisas no mundo mudam. Há mudanças substanciais, acidentais, quantitativas e locais. A planta que cresce, o céu que fica nublado, a madeira que vira carvão, a parede branca que é pintada de vermelho, o nosso próprio crescimento e envelhecimento, mudança de lugar físico, são apenas alguns dentre diversos outros exemplos. Para Tomás, isso nada mais significava senão que esse movimento é a passagem da potência para ato, e que isso somente pode ser levado a efeito por um ser que já esteja em ato.

O fogo, por exemplo, é quente em ato e torna a madeira, que é quente em potência, em quente em ato. Somente algo que já é quente pode tornar algo que ainda não é quente em algo quente. E, como diz Tomás, “é impossível que a mesma coisa seja ao mesmo tempo em potência e em ato em relação ao mesmo, mas apenas em relação a diversas coisas”. Assim, é impossível que algo esteja em potência e em ato ao mesmo tempo e com relação ao mesmo aspecto. Aquilo que é quente em ato (como o fogo) não pode ser ao mesmo tempo quente em potência, pois já é quente em ato.

Sendo assim, tudo o que é mudado é mudado por um outro ser que tenha aquela qualidade em ato. A panela aquecida não é aquecida sozinha, mas precisa receber calor de outro ser – o fogo – que tenha calor em ato. Assim também a parede, que é branca em ato, só passará a ser verde em ato caso receba esse verde de outro ser – a tinta – que seja vermelho em ato. E isso o leva a concluir:

“É impossível que no mesmo sentido e do mesmo modo algo seja movente e movido, ou que se mova a si mesmo. Tudo o que se move deve, portanto, ser movido por outra coisa. Mas, se aquilo pelo qual algo é movido também se move, é indispensável que seja movido por outra coisa e assim sucessivamente”

Como vimos, é impossível que algo seja ato e potência ao mesmo tempo, e que algo seja movente e movido ao mesmo tempo. É necessária, então, a existência de um ser Criador que seja ato puro, ou senão cairíamos em um processo infinito de eventos passados, e a potência sempre precederia o ato, jamais havendo um ato anterior à potência. É preciso que o movimento parta de um ser que seja ato puro, que não tenha sido causado, que não tenha potência. Como diz Aquino:

“Se não houvesse um primeiro movente cairíamos então em um processo indefinido ou, caso contrário, chegaríamos a algo que não seria movido... Portanto, é necessário chegar a um primeiro movente que não seja movido por nenhum outro: e este todos entendem ser Deus”

Se não existisse um primeiro ser movente, cairíamos em um processo infinito de eventos passados, o que é impossível. Essa conclusão de Tomás é reforçada pela ciência moderna, que concluiu que o Universo é finito e temporal, e que tempo-espaço são mensuráveis. Portanto, não são movimentos que se dão no infinito, mas no finito. A teoria do Big Bang e a lei da entropia comprovam que o Universo teve um começo, e que, portanto, a sequencia de movimentos não pode ser infinita, pois se dá em um Universo finito.

É necessária, portanto, a existência de um ser que seja a causa primeira, o motor que não pode ser movido, o ato puro que não tem nenhuma potência, que não é movido por nenhum anterior, que é eterno e atemporal, fora do espaço (Universo) finito e temporal em que vivemos. Este ser é Deus.


2º A Causalidade Eficiente

A segunda via de Tomás de Aquino é conhecida como a prova da causalidade eficiente, que segue as seguintes premissas:

As coisas possuem uma ordem de causas eficientes;
Tudo o que passa a existir tem uma causa eficiente;
É impossível que algo seja a causa de si mesmo;
É impossível uma cadeia causal infinita;
Portanto, alguma causa foi a primeira causa eficiente no mundo;
Esta causa é Deus.

Essa segunda via é baseada no fato de que toda causa é anterior a seu efeito. O resfriado é causado pela chuva, que é causado pela evaporação, que é causado pelo calor, que é causado pelo sol. Todos esses efeitos dependem de sua causa, e essa série de causas não pode ser indefinida. Se não existe uma Causa primeira, tampouco existiriam as causas intermediárias que são efeitos dela. Ou seja: nada existiria. Isso deve indicar que existe uma Causa primeira que causou tudo e que não foi causada. Nas palavras de Tomás de Aquino:

“Encontramos nas coisas sensíveis uma ordem de causas eficientes, já que nada pode ser causa eficiente de si mesmo, pois se assim o fosse existiria antes de si mesmo, o que é impossível. Também não é possível proceder indefinidamente nas causas eficientes (...) Em todas as causas eficientes ordenadas, em primeiro lugar está a causa do que se encontra no meio, e o que se encontra no meio é causa do que está em último lugar, tanto se os intermediários forem muitos, quanto se for um só; tiradas as causas, tira-se o efeito”

E isso o leva a concluir:

“Logo é necessário admitir alguma causa eficiente primeira, à qual todos chamam de Deus”

Essa conclusão lógica pode levar alguns ateus a contestarem: por que essa causa primeira tem que ser Deus? Marx fez isso. O marxismo nega que Deus seja o criador do Universo, e se vê na obrigação de transferir à matéria a qualidade de causa primeira. Ou seja: que a matéria é a causa de si mesma, é eterna, infinita e onipotente. Para Marx, a matéria era a causa das causas não causada. Essa tese foi refutada pela ciência moderna, que comprovou que a matéria não é eterna, mas teve um início. Logo, a causa primeira não pode ser a própria matéria, mas algo fora do Universo, atemporal, que deu início a tudo o que existe e vemos.

A essa causa primeira chamamos Deus.


3º Prova da Contingência

A terceira via é a da contingência, que segue as seguintes premissas:

As coisas podem ser ou necessárias ou contingenciais;

Coisas contingenciais podem não existir;

Nem tudo é contingencial, pois se assim fosse, um dia no passado nada existiu;

Se o nada um dia existiu, hoje nada existiria, pois nada pode vir a existir do nada;

Logo, algum Ser necessário sempre existiu, para que as outras coisas pudessem vir a existência a partir d'Ele;

Esse Ser todos chamam de Deus.

Para Tomás, “encontramos dentre as coisas algumas que podem ser ou não ser... é impossível que todas as coisas existam sempre, pois o que pode não ser alguma vez não é. Se todas as coisas podem não ser, alguma vez nada existiu. Se assim fosse, na verdade, também agora nada existiria, pois o que não existe não começa a existir senão a partir de algo que existe”.

Algo é necessário quando ele não pode não existir, pois é uma condição necessária para que as outras coisas existam. Ao mesmo tempo, existem coisas contingenciais, que podem não existir sem que isso tenha alguma influência séria no Universo.

Se tudo o que há na natureza têm a possibilidade de não ser, houve um tempo em que nenhum deles existia. Mas, se nada existia antes, então nada existiria hoje, porque aquilo que não existe não pode passar a existir por si mesmo. O que existe só pode ter existido por causa de outro ente que já existia. Então, se nada existia antes, nada existiria também agora. Se em algum momento da história o nada existiu, então ele deveria sempre existir, até hoje. O que é falso, já que coisas contingentes existem. Isso levou Tomás de Aquino a dizer:

“Se, entretanto, nada existia, seria impossível que algo começasse a existir, e assim nada absolutamente existiria, o que é evidentemente falso. Portanto, nem todos os seres são possíveis (contingenciais), mas é indispensável que algum seja necessário”

Por isso é necessária a existência de um ser que sempre existiu, para que as outras coisas pudessem vir à existência:

“Logo, é necessário admitir algo que seja necessário por si, não tendo fora dele a causa de sua necessidade, antes pelo contrário, que seja ele mesmo a causa da necessidade dos outros: a este ser todos chamam de Deus”

Este ser tem a razão de sua necessidade em si mesmo, e é o causador de todos os demais entes. Ele também deve ser absolutamente necessário, tem que ter existido sempre, e é em função dele que os seres contingentes existem. A este ser necessário chamamos Deus.


4º Prova da Perfeição

O quarto argumento de Tomás de Aquino para a existência de Deus é o dos graus de perfeição dos entes, que segue o silogismo:

As coisas são classificadas em certo grau de qualidade;
Existe um máximo de qualidade (perfeição) para cada gênero;
Este máximo é a causa de todos os outros inferiores;
Logo, existe um Ser Perfeito que é causa de todos os outros menos perfeitos;
Este Ser chamamos de Deus.

Em seu livro, ele argumenta a favor dessa via da seguinte maneira:

“Encontramos, com efeito, nas coisas, algo mais ou menos bom, verdadeiro, nobre, e assim por diante. O ‘mais’ ou ‘menos’ é dito acerca dos diversos seres conforme se aproximam de forma diferente daquilo que é o máximo, como o mais quente é aquilo que se aproxima do quentíssimo (...) Existe algo que é o verdadeiríssimo, ótimo, nobilíssimo e, por conseguinte, o ser máximo, pois as coisas que são verdadeiras ao máximo são os maiores seres, como é dito no livro II da Metafísica (...) O que é o máximo em algum gênero é causa de tudo o que é daquele gênero, como o fogo, que é o máximo do quente, é a causa de todos os quentes, como é dito no mesmo livro (...) Logo, existe algo que é a causa da existência de todos os seres, e da bondade e de qualquer perfeição, e a este chamamos Deus”

Tomás de Aquino diz que nós encontramos na natureza coisas com certo grau maior ou menor em relação a um grau máximo, e, a partir daí, as classificamos como sendo mais ou menos (ou melhor e pior) do que as outras coisas. É dessa forma que podemos dizer que o vapor é mais quente que a água, que é mais quente que o gelo. Ou que Paris é mais bela que o Iraque. Vemos três termos: Paris, Iraque e a Beleza da qual Pais participa mais ou está mais próximo. Por isso só podemos dizer que uma coisa é mais do que outra se tivermos como parâmetro certa perfeição.

Portanto, deve existir a Verdade absoluta, a Beleza absoluta, o Bem absoluto, a Nobreza absoluta, e por vai. E, desta forma, deve existir coisas que mais se aproximam do Perfeito, assim como coisas que mais se distanciam dele. Aquilo que é máximo em qualquer gênero é causa de tudo o que existe nesse gênero. O fogo, por exemplo, que tem o máximo calor, é causa de toda quentura, como diz Aristóteles. Da mesma forma, deve haver algo que seja para todas as coisas a causa de seu ser, de todas as suas perfeições. A isso chamamos Deus.


5º Prova do governo do mundo

A quinta e última via de Tomás de Aquino segue as seguintes premissas:

As coisas que não possuem inteligência agem sempre de uma mesma forma para atingir os objetivos para os quais existem;

Somente um ser que possua inteligência em si pode direcionar as coisas não inteligentes para seus objetivos;

Deve haver um Ser que coordene, governe e direcione todas as coisas para seus objetivos;

A este Ser chamamos de Deus.

Ele dá o exemplo de uma flecha, que não pode por si mesma buscar o alvo, mas ela tem que ser dirigida para o alvo por um arqueiro, pois a flecha não possui inteligência em si mesma. A mesma coisa ocorre com o governo das coisas: o que não é inteligente só atinge o alvo para o qual foi criado através de um ser que possua inteligência em si, que seja inteligente o suficiente para dirigi-la.

Quando observamos o mundo a nossa volta, vemos que ele é como uma flecha que acerta o alvo, o qual se presume que tenha vindo de um projetor inteligente. Como diz Tomás de Aquino:

“As coisas, entretanto, que não têm inteligência só podem procurar um objetivo dirigidas por alguém que conhece e é inteligente, como a flecha dirigida pelo arqueiro (...) Logo, existe algum ser inteligente que ordena todas as coisas da natureza para seu correspondente objetivo: a este ser chamamos de Deus”

Todo o Universo atesta para uma mente inteligente que governa o mundo, com princípios antrópicos sem os quais não existiria vida, com a exata e perfeita exatidão que atestam um Criador inteligente do Universo. Iremos analisar melhor este argumento a seguir, na análise do Argumento Teleológico para a existência de Deus.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (apologiacrista.com)

(Trecho extraído do meu livro: "As Provas da Existência de Deus")


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[1] Todas as referências deste livro a Tomás de Aquino se encontram em sua Suma Teológica, livro 1, questão 2, artigo 3.

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