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O trecho abaixo é extraído de meu livro: "Deus é um Delírio?"
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Chegamos agora à cereja do
bolo de Dawkins, que parece ser exatamente onde ele queria chegar: a religião.
Todo o resto do livro parece ser uma cortina de fumaça para chegar a esta
parte, onde ele se arma até os dentes contra a Bíblia, contra a religião,
contra a fé, contra Deus, contra tudo. O que ele esbraveja neste capítulo é um
amontoado daquilo que vemos pipocando todos os dias na internet, na boca de
todos os neo-ateus em fóruns de discussão, em vídeos neo-ateístas no YouTube e
até em debates políticos.
No livro de Dawkins, o
Deus do Antigo Testamento é retratado como um Darth Vader da ficção, um monstro
de uma crueldade sanguinária, e em seu nome um grupo de pessoas se reuniu para
escrever um livro racista, homofóbico, xenofóbico, genocida e malévolo, chamado
Bíblia. Paradoxalmente e sem qualquer explicação racional, este mesmo Darth
Vader do Antigo Testamento é crido por mais de dois bilhões de pessoas – 32% da
população mundial –, que veem neste ser tão horrível e cruel uma fonte de
consolo e salvação.
E para provar que este
terrível Deus judaico-cristão mitológico é mesmo alguém tenebroso, perverso,
assombroso e tirânico, Dawkins cita doze passagens de Levítico e Deuteronômio e
outras duas de Juízes, pois até hoje ninguém lhe avisou que existem outros 63
livros na Bíblia, que ele não abriu. Começaremos então refutando os factóides
de Dawkins contra este Santo Graal das Trevas e Supra-Sumo do Mal: as Escrituras.
Dawkins ataca o Antigo
Testamento como um lutador cego, que não sabe onde está o seu oponente, mas
desfere golpes assim mesmo para todos os lados, para numa dessas acertar
alguém. Desde cedo é patente a falta de conhecimento bíblico que o autor
possui. Isso nós já vimos no capítulo 4 deste livro, quando refutei o amontoado
de factóides que Dawkins juntou para atacar alguns pontos da Bíblia. Mas aqui
ele ultrapassa todos os limites da ignorância. Como Alister bem observou, “quando
Dawkins menciona que Paulo escreveu a epístola aos Hebreus, você já percebe
quão ruins as coisas estão”[1].
A estratégia que Dawkins
usa aqui é aquela bem conhecida dos neo-ateus no mundo todo, que se baseia em
juntar o máximo de passagens de Levítico que não encontram base no mundo e na
cultura atual e então acusar os cristãos de apedrejarem homossexuais e os que
não guardam o sábado, de apoiar a escravidão, de ser a favor do genocídio e de
ser intolerante com as demais crenças. Isso resume toda a artilharia de Dawkins
neste capítulo.
Mas o primeiro grande
disparate de Dawkins é a confusão imensa que ele faz entre descrição e prescrição. Ou
ele não sabe a diferença (e portanto fugiu das aulas mais básicas de
linguagem), ou então engana o leitor de forma deliberada (e neste caso é
desonesto mesmo). Se, por exemplo, eu digo que em 11 de Setembro dois aviões
atingiram as Torres Gêmeas, eu não estou fazendo uma apologia ao terrorismo,
mas somente uma descrição do
acontecimento. Se eu digo que houve um estupro coletivo em uma universidade[2],
eu não estou incentivando ninguém a estuprar ninguém, mas somente descrevendo o que aconteceu naquela ocasião.
Isso é uma descrição.
Prescrição, por outro
lado, é o ato de ordenar algo a alguém. Se eu digo: “destruam aqueles prédios”
ou “estuprem aquelas pessoas naquela universidade” eu não estou descrevendo
nada, mas sim prescrevendo algo, e
neste caso sim eu sou responsável por aqueles acontecimentos. Há, portanto, uma
absurda e colossal diferença entre descrição e prescrição, que Dawkins ignora
completamente ao longo de toda a sua argumentação, e que eu duvido muito que
seja apenas por ignorância das regras básicas da linguagem.
Por exemplo, Dawkins
coloca “na conta de Deus” os pecados de Abraão e de Moisés, o erro de Jefté que
sacrificou sua filha, a loucura de Ló em oferecer suas filhas aos sodomitas, a
insanidade das filhas de Ló em se deitarem com o pai, o estupro da concubina do
levita e sua indiferença ao ato, e assim por diante. Mas nada disso é prescrição, e sim descrição. Talvez Dawkins se assuste em ouvir isso: Abraão era
humano como nós. Talvez ele se espante ainda mais em ouvir isso: ele era pecador.
E provavelmente ele deveria mesmo é se apavorar com o fato de que os escritores
bíblicos, ao invés de fantasiarem uma história e mostrarem os personagens
bíblicos perfeitinhos, eram fieis aos acontecimentos e retratavam até mesmo os
mais horríveis pecados dos mais notáveis homens.
Assim, o “argumento” que
Dawkins levanta contra a Bíblia, na verdade, volta-se contra ele mesmo. Ele
prova que se os escritores bíblicos estivessem inventando uma história eles não
incluiriam os piores defeitos de Abraão, Moisés ou Davi, mas somente
escreveriam coisas lindas e maravilhosas sobre eles, que fizessem com que o
povo somente os admirassem. Mas não. Eles fizeram questão de serem fieis aos
acontecimentos e de retratarem a verdade conforme a verdade é. Eles não fantasiaram
uma história, e é essa a razão pela qual Dawkins pode encontrar tantos defeitos
e pecados quanto qualquer cristão pode encontrar ao ler as Escrituras. Esta é
outra razão pela qual a Bíblia é confiável: ela retrata pecadores, não santos.
À lista de Dawkins eu
poderia lhe sugerir que acrescentasse também o adultério de Davi com Bate-Seba
e o assassinato de seu marido Urias, o homicídio cometido por Moisés contra o
egípcio (que motivou sua fuga ao deserto), o apóstolo Paulo que era o maior
perseguidor da igreja antes de ver Jesus em Damasco, as três negações de Pedro
e a repreensão que ele sofreu de Paulo em Antioquia, os irmãos de José que
tentaram matá-lo, as mentiras e trapaças de Jacó, a idolatria e apostasia de
Salomão, a promiscuidade de Sansão e dos filhos de Eli, a briga entre Paulo e
Barnabé, a incredulidade de Tomé e até a mãe de Jesus e seus irmãos que achavam
que ele estava louco (Mc.3:21,32).
O que é que isso tudo
prova? Que a Bíblia aprova estas
atitudes erradas, mesmo quando cometidas pelos maiores personagens da Bíblia? É
claro que não. Isso só prova a fidelidade da Bíblia no registro dos
acontecimentos, sem embelezamento, a verdade nua e crua. Diferente das estórias
e mitos pagãos da antiguidade, os personagens da Bíblia são tão humanos e
pecadores quanto eu e você. Dawkins, no entanto, mistura prescrição e descrição
como se fosse uma coisa só, coloca tudo na conta de Deus e, é claro, culpa os
cristãos por tudo isso. Sua distorção é tão flagrante que é realmente
impossível acreditar que seja fruto apenas
de ignorância, e não de desonestidade intelectual deliberada.
Algo semelhante aconteceu
aqui no Brasil, quando um certo “irmão Rubens”, que eu até admirava antes de
vê-lo dizer tamanha bobagem de deixar qualquer um de queixo caído, gravou um
vídeo chamado “A Bíblia Mente”[3],
onde o seu único argumento para dizer que a Bíblia é mentirosa é que ela descreve algumas mentiras ditas por
certos personagens bíblicos. O illuminático[4]
concluiu então que a Bíblia está
mentindo, que é uma farsa, uma fraude, uma mentira. Na época eu não tinha quase
nenhum conhecimento teológico, mas só o pouco de lógica que eu já conhecia já
tinha sido suficiente para ficar estupefato com tamanha aberração.
A afirmação de que “a
Bíblia mente” sob este argumento é semelhante a um livro de história dizer que
os militares mentiram quando prometeram um presidente civil após o Golpe de 64,
e que por causa disso aquele livro de
história mente. Uma pessoa com um raciocínio um pouco mais apurado
conseguirá facilmente concluir que não é o livro de história que está mentindo,
porque ele está descrevendo ao invés de prescrevendo. Ele está dizendo a verdade
de que aquela certa pessoa mentiu. Ele estaria mentindo somente caso
não registrasse a verdade dos acontecimentos, i.e, se tivesse dito que os
militares disseram a verdade – aí sim
o livro estaria mentindo.
Dawkins faz confusão
semelhante, embora em nível bem maior do que o “irmão Rubens”, porque não fala
de um acontecimento isolado, mas de muitos.
Há, contudo, algumas
coisas citadas por ele que são mesmo prescrições
e que merecem nossa observação. A maior e mais notável delas são os
registros onde Deus manda Israel atacar e destruir nações inteiras. Isso é
chocante, mas não mais que as duas guerras mundiais, ou o confronto milenar
entre palestinos e israelenses, ou a Guerra dos Cem Anos, ou a invasão do
Iraque e do Afeganistão, ou as Guerras Médicas, ou a Guerra do Peloponeso, ou
as Guerras Púnicas, ou a Guerra de Secessão e as milhares de guerras civis que
já existiram, ou as centenas de batalhas pela Independência de diversos países,
ou as Revoluções do século XX, ou a Guerra da Tríplice Aliança, ou qualquer
outra guerra na história da humanidade.
Dawkins precisa entender:
guerra é guerra, e em guerra pessoas morrem. Mas ele exagera de tal maneira que
parece que as únicas batalhas na história do mundo foram as de Israel, e que as
únicas mortes que já existiram foram em nome de Deus. Talvez a diferença seja
que neste caso específico tenha sido
Deus que prescreveu a guerra – diferente das outras, que foram ordenadas por
homens – mas mesmo assim o princípio permanece
o mesmo. A guerra, seja ela de Deus ou dos homens, só é justificada se houver
razões muito boas para tanto, i.e, se o mal causado pela guerra é menor do que o dano que se causaria se
nada fosse feito.
Então a questão principal
aqui é: as guerras de Israel eram justificáveis? O dano causado pela guerra foi
maior ou menor do que o dano que seria causado se nada fosse feito? Antes de
continuar, convém mencionar que eu não estou dizendo que a guerra em si não é
má. Toda guerra é má, toda morte é triste, todo sofrimento é lamentável, e
todos, em qualquer lugar, tem o dever de
zelar pela paz no mundo. Não estou falando que a guerra é boa. A questão não é essa. A questão é se a guerra não é, às vezes,
um mal necessário, para evitar um mal maior.
Isso já foi tratado no
capítulo anterior, mas convém novamente mencionar que algumas guerras são mesmo
necessárias, por pior e mais trágico que uma guerra seja. Para usar um único
exemplo e não cansar o leitor, imagine se ninguém fizesse nada contra Hitler e
suas várias fileiras de soldados nazistas. O extermínio de seis milhões de
judeus em campos de concentração (onde também eram cruelmente torturados) era
só o começo. Hitler fez isso sem ganhar a guerra. Se ele fez tudo
isso sem ganhar a guerra, imagine o que ele teria feito se a tivesse ganho!
O mundo dominado pelos
nazistas seria um mundo onde todos os judeus, homossexuais, ciganos, negros,
deficientes físicos e débeis mentais seriam assassinados friamente sem pensar
duas vezes, e o que restaria no mundo seria tão altivo, arrogante e de mau
caráter (para aceitar as atitudes dos
nazistas sem combatê-los) que o mundo caminharia para a autodestruição. Podemos
dizer, então, que o que os Aliados fizeram foi necessário.
Sim, muita gente morreu na
guerra. Muitíssimo mais do que Israel matou, inclusive. Mas seria muitíssimo
pior se ninguém levantasse oposição e se todos dessem carta branca a Hitler e a
SS. Qualquer oposição a Hitler resultaria numa reação deste, e uma guerra seria
inevitável. Foi o que aconteceu, e por causa da guerra você tem a sorte de
estar lendo este livro agora em um país livre, que não sai à caça de qualquer
um que discorde da ideologia nazista. Então, sabendo que guerras são
justificáveis pela tese do mal menor, cabe a nós responder a segunda pergunta:
as guerras ordenadas por Deus em Canaã foram justificáveis?
A primeira coisa que
devemos ter em mente é o tipo de cultura daqueles povos. A melhor investigação
histórica já produzida a este respeito é o livro Is God a Moral Monster? (Deus é um Monstro Moral?), do Dr. Paul
Copan. Seu trabalho foi considerado por Richard Davidson como a mais poderosa e
coerente defesa do caráter de Deus no Antigo Testamento diante dos ataques dos
neo-ateus, e por Gordon Wenham como a melhor defesa da ética do Antigo
Testamento. Ele compara diversas práticas do Antigo Testamento com as práticas
consideradas legais em Canaã.
Em Israel, por exemplo, o
sacrifício humano era completamente proibido, e era considerado assassinato. O
mesmo não acontecia nos povos cananeus, que tinham como costume os rituais de
sacrifício infantil, onde um pai entregava seu filho pequeno (geralmente o
primogênito) nas mãos de um sacerdote de um dos vários deuses pagãos e o
sacrificava no altar, ou o queimava em oferenda. Esta prática monstruosa não
era nem um pouco incomum naqueles povos, que viam com bons olhos o sacrifício
de crianças, desde que fosse em honra aos ídolos.
Além de o infanticídio ser
considerado normal, a prostituição cultual também era muito comum. Os
prostitutos e prostitutas cultuais em Canaã serviam nos templos pagãos, em
especial nos cultos da fertilidade, praticando atos sexuais no templo como
parte do culto ao deus pagão que serviam. Escavações arqueológicas mostraram
que seus templos eram centros de orgia, de sodomia e de prostituição. O
historiador Henry H. Halley assim se expressou após observar as descobertas
arqueológicas ao escavar a área:
“Encontraram grande
quantidade de jarros contendo os despojos de crianças que tinham sido
sacrificadas a Baal (...) A área inteira se revelou como sendo um cemitério de
crianças recém-nascidas (...) Era assim, praticando a licenciosidade como rito,
que os cananeus prestavam seu culto aos deuses, e também assassinando seus
primogênitos como sacrifício aos mesmos deuses. Parece que, em grande escala, a
terra de Canaã tornou-se uma espécie de Sodoma e Gomorra de âmbito nacional
(...) Alguns arqueólogos que têm escavado as ruínas das cidades dos cananeus admiram-se de Deus não as haver destruído
há mais tempo”[5]
Para Dawkins criminalizar
Deus, o primeiro passo é vitimizar os cananeus, como se eles fossem um povo
encantador, que foi atacado somente por adorar o deus errado. Esta visão
completamente distorcida dos fatos violenta a inteligência de qualquer
estudioso daquelas culturas, além de distorcer de forma mais grosseira ainda o
texto sagrado, que em momento nenhum diz que o motivo que levou os cananeus a
morrerem foi que adoravam o deus errado. Se esta fosse a razão, por que Deus
não mandou Israel exterminar o mundo
inteiro da época, já que todos os outros povos também adoravam falsos
deuses?
A razão, porém, da ordem
de destruição ser específica para os
cananeus foi “para que não vos ensinem a fazer conforme a todas as suas abominações,
que fizeram a seus deuses, e pequeis contra o Senhor vosso Deus”
(Dt.20:18). Ou seja: o foco em questão não era a adoração aos falsos
deuses, mas as abominações que eles praticavam em nome destes falsos deuses[6].
Existiam milhões de pessoas naquela época que adoravam falsos deuses, mas não
chegavam àquele nível de crueldade dos cananeus, e Deus jamais mandou
destruí-las. Os cananeus foram punidos pelas suas maldades, não pela opção
religiosa de qual deus seguir. Eles não eram os mocinhos da história: eram
verdadeiros vilões, como os nazistas e os jihadistas.
O paralelo mais próximo às
cidades cananitas é, certamente, Sodoma e Gomorra. Naquelas cidades (também
condenadas por Deus à destruição) a imoralidade, a devassidão e a perversão
sexual chegaram a tal ponto que os homens dali não conseguiam ficar sem abusar
sexualmente de qualquer outro homem que visitasse aquela terra ou estivesse
passando por ali de viagem (Gn.19:5).
Tanto em Canaã como em
Sodoma o liberalismo chegou a tal ponto que ninguém tinha mais nenhum pudor; a
homossexualidade, a zoofilia, o incesto, o estupro e a prostituição eram
considerados normais e era simplesmente impossível tentar levar uma vida
decente em meio a um povo tão ímpio, que não seguia nenhum princípio moral. Uma
intervenção sobrenatural era totalmente necessária. Mesmo assim, é
impressionante a benignidade, a longanimidade e a misericórdia de Deus ao longo
de todo o processo, mesmo quando um juízo tinha
que ser executado. Vemos isso no próprio relato da destruição de Sodoma, na
interessante conversa entre Jeová e Abraão:
Gênesis 18
23 Abraão aproximou-se
dele e disse: "Exterminarás o justo com o ímpio?
24 E se houver cinqüenta
justos na cidade? Ainda a destruirás e não pouparás o lugar por amor aos
cinqüenta justos que nele estão?
25 Longe de ti fazer tal
coisa: matar o justo com o ímpio, tratando o justo e o ímpio da mesma maneira.
Longe de ti! Não agirá com justiça o Juiz de toda a terra?"
26 Respondeu o Senhor:
"Se eu encontrar cinquenta justos em Sodoma, pouparei a cidade toda por
amor a eles".
27 Mas Abraão tornou a
falar: "Sei que já fui muito ousado a ponto de falar ao Senhor, eu que não
passo de pó e cinza.
28 Ainda assim pergunto: E
se faltarem cinco para completar os cinquenta justos? Destruirás a cidade por
causa dos cinco? "Disse ele: "Se encontrar ali quarenta e cinco, não
a destruirei".
29 "E se encontrares
apenas quarenta?", insistiu Abraão. Ele respondeu: "Por amor aos
quarenta não a destruirei".
30 Então continuou ele:
"Não te ires, Senhor, mas permite-me falar. E se apenas trinta forem
encontrados ali?" Ele respondeu: "Se encontrar trinta, não a
destruirei".
31 Prosseguiu Abraão:
"Agora que já fui tão ousado falando ao Senhor, pergunto: E se apenas
vinte forem encontrados ali?" Ele respondeu: "Por amor aos vinte não
a destruirei".
32 Então Abraão disse
ainda: "Não te ires, Senhor, mas permite-me falar só mais uma vez. E se
apenas dez forem encontrados?" Ele respondeu: "Por amor aos dez não a
destruirei".
33 Tendo acabado de falar
com Abraão, o Senhor partiu, e Abraão voltou para casa.
Você consegue imaginar alguém mais
misericordioso, compassivo e piedoso quanto Deus, que mesmo diante de uma
cidade completamente promiscua, inteiramente depravada e absolutamente
irrecuperável, promete poupá-la por amor a apenas dez justos em meio a tantos ímpios? Eu não sei você, mas eu com
certeza não teria tanta paciência. E se você pudesse voltar no tempo e ver com
seus próprios olhos a completa perversão moral da cidade e a opressão sofrida
pelos poucos justos que ali restavam, muito provavelmente não teria também.
Aparentemente, nem o próprio Abraão
tinha tanta benignidade e misericórdia assim, senão não teria começado
nivelando por cinquenta justos na cidade, para depois ir baixando aos poucos.
Quando a conta chegou aos dez, Abraão
deve ter pensado: “puxa, a coisa está feia mesmo!”.
E Deus ainda salvou da cidade a Ló e sua família, os únicos justos dali.
Dawkins, inacreditavelmente, considera este mesmo Deus veterotestamentário, que
é “misericordioso e compassivo, paciente e
transbordante de amor” (Sl.145:8), desta forma:
“O
Deus do Antigo Testamento é talvez o personagem mais desagradável da ficção:
ciumento, e com orgulho; controlador mesquinho, injusto e intransigente;
genocida étnico e vingativo, sedento de sangue; perseguidor misógino, homofóbico,
racista, infanticida, filicida, pestilento, megalomaníaco, sadomasoquista,
malévolo. Aqueles que são acostumados desde a infância ao jeitão dele podem
ficar dessensibilizados com o terror que sentem”
Sim, é estarrecedor o espantalho que
Dawkins faz do Deus do Antigo Testamento. Somente aqueles que estão acostumados
desde a infância ao jeitão de Dawkins
podem engolir tamanha leviandade.
Mas e quanto aos cananeus? Deus não
lhes deu uma chance, como fez com os sodomitas?
Sim, e muitas. Na verdade, embora o
povo cananeu fosse tão ou mais ímpio que o de Sodoma, Deus lhe deu chances
atrás de chances, por um período de nada a menos que quatrocentos anos:
“Sabes, de certo, que
peregrina será a tua descendência em terra alheia, e será reduzida à
escravidão, e será afligida por quatrocentos anos... e tornará para cá; porque
a medida da injustiça dos Amorreus [um dos clãs cananeus] não está ainda cheia” (Gênesis 15:13,16)
Pense nisso. Mesmo com o povo cananeu
sendo tão ímpio e merecedor do juízo divino, Deus espera pacientemente por quatrocentos anos, dando-lhes
oportunidade de arrependimento, chance atrás de chance. E ele não ordenou
ataque nenhum sem que antes a medida de iniquidade dos cananeus se enchesse, i.e, se tornasse tão grande
que uma intervenção não seria apenas importante, mas obrigatória. A
imoralidade, impiedade e desumanidade haviam atingido tão alto limite em Canaã,
que não fazer nada a respeito seria uma omissão tão grande quanto se os Aliados
não tivessem reagido à Hitler.
Douglas Reis corretamente destacou:
“Se uma mulher
descobrisse um câncer de mama em estágio inicial, não iria operar antes que ele
se ‘instalasse’ irreversivelmente pelo corpo? Por mais traumática ou sofrível
que uma cirurgia como essa venha a ser, perder uma mama e continuar viva não é
melhor do que definhar até a morte? Os cananitas eram o câncer. Deus os amava,
mas deixá-los vivos seria o mesmo que contaminar a humanidade com a sua
influência maléfica. Pense em como o mundo não estaria pior se Deus não
interviesse, periodicamente, refreando o pecado e punindo os culpados”[7]
Então a guerra começou.
O ateu deve pensar que agora é a hora
que Deus mandou matar todo mundo. Mas espere um momento. Uma pesquisa bíblica
mais profunda nos mostra claramente que a ordem inicial (o propósito) de Deus não foi o de exterminar ninguém,
senão o de os expulsar da terra.
William Lane Craig fala sobre isso nos seguintes termos:
“A ordem que Deus deu a
Israel a princípio não era que eles exterminassem os cananitas, mas que os
expulsassem da terra (...) Canaã estava sendo dada a Israel, a quem Deus havia
retirado do Egito. Se as tribos cananitas, vendo os exércitos de Israel, tivessem
simplesmente escolhido fugir, ninguém teria sido assassinado, afinal. Não havia
nenhuma ordem para perseguir e abater as pessoas cananitas. É, portanto,
completamente errônea a caracterização da ordem de Deus a Israel como uma ordem
para cometer genocídio. Em vez disso era em primeiro lugar uma ordem para
expulsar as tribos do território e ocupá-lo. Somente aqueles que permanecessem
deveriam ser completamente exterminados. Não havia necessidade de que todos
morressem nesta situação”[8]
Então, se o objetivo não era o de
matar, e sim o de expulsar da terra, por que pessoas foram mortas? E por que há
os relatos onde Deus manda matar? Estes relatos obviamente se relacionam não a
todo o povo, mas sim àqueles que se recusaram a fugir, ou seja, aos que
quiseram ir à guerra contra os israelitas. Em uma guerra era normal os
civis fugirem ou ficarem para trás, enquanto os militares vão à batalha. Então
a ordem de Deus basicamente era: “mate qualquer um que lutar contra vocês”.
Isso não é absolutamente nada
diferente da regra que regeu qualquer
guerra na história da humanidade. Mais uma vez, temos que frisar que se
alguém se opõe a isso terá que se opor também a todas as guerras onde os soldados receberam ordens de matar
qualquer um que lutasse no outro lado, incluindo as guerras legítimas que
comumente se crê que foram necessárias, dentre as quais destaquei a guerra
contra os nazistas, e demonstrei que neste mesmo contexto e conceito a guerra
contra os cananeus também era necessária e justificável.
Então os ateus falarão das crianças, é
claro. “Mas Deus não mandou matar as crianças?”. Depende do contexto em que
essa frase é feita e do sentido para o qual ela se aplica. Dentro daquele
contexto específico que os textos
bíblicos dizem respeito, a ordem era de matar qualquer criança que lutasse contra os israelitas, e não
qualquer criança em absoluto (o que incluiria os que se recusaram a lutar,
assim como os fugitivos).
Quando um comandante de um exército
diz: “entre e acabe com eles”, ele está querendo dizer que é para atacar
qualquer soldado inimigo, independentemente se o soldado em questão é grande ou
pequeno, se é homem ou mulher, se é velho ou jovem. Qualquer um que porte uma
espada é uma ameaça em potencial, e ainda mais em uma batalha corpo a corpo
(como eram travadas antigamente) era praticamente impossível conseguir ter a exata percepção do sexo ou idade de quem
está empunhando uma espada em sua direção.
No calor da batalha, o soldado
primeiro pensa em se defender e em atacar o adversário instintivamente, e só
depois vai perceber se este inimigo era assim ou assado. Um comandante que
dissesse aos seus soldados para selecionar que
tipo de soldados que poderia matar estaria fadado à perda da guerra e ao
completo fracasso, pois até um soldado ter a noção exata de como é o seu
adversário (geralmente equipado com capacetes e peitorais que dificultam ainda
mais a identificação) já teria sido atingido e morto.
As regras gerais, então, eram somente
uma ordem de matar qualquer um que lhes fosse uma ameaça, independentemente de
sexo, idade, altura, cor de pele, etc. As terminologias “desde o homem até à mulher, desde os meninos até aos de peito”
(1Sm.15:3), são hipérboles frequentemente utilizadas pela Bíblia em outras
circunstâncias onde o sentido é somente o senso geral de todos, ou de qualquer um, que
neste caso específico representa uma ameaça. É um hebraísmo que quer dizer: “na
hora da guerra, mate qualquer pessoa que queira matar você”.
Embora em alguns casos exércitos
tenham usado crianças e mulheres para lutar, é óbvio que nem de longe a
hipérbole presente nestes textos bíblicos gerais implica que houve mesmo alguma
criança ou mulher que tenha lutado do outro lado e morrido. É por isso que não
vemos sequer um único versículo bíblico mencionando uma criança morta por um
soldado israelita em uma guerra. Crianças e mulheres foram usadas para lutar na
Guerra do Paraguai, e infelizmente os soldados brasileiros tiveram que
matá-las, mas nada indica que aqueles povos fizessem o mesmo em suas próprias batalhas.
Além disso, se alguma criança
realmente morreu em batalha, sob a perspectiva judaico-cristã ela morreu salva,
pois delas pertence o Reino dos céus (Mt.19:14). Isso seria melhor do que se
tivessem continuado em vida em meio àquele povo iníquo e imoral, se degradando
e se pervertendo entre si, oprimindo o próximo, causando o sofrimento alheio e
por fim morrendo a morte eterna, sem salvação. A morte na batalha seria menos ruim do que o prosseguimento da
vida em meio àquele povo desumano, que certamente perverteria a criança e a
tornaria como os seus pais.
Então, em resumo, o tão terrível
“genocídio” que os neo-ateus tanto esbravejam é isso:
• Os cananeus eram o povo
mais ímpio da época, desumano, cruel, sanguinário, assassino e imoral. Alguém
tinha que colocar um ponto final nisso.
• Deus, com enorme
misericórdia, ainda esperou por nada a menos que quatrocentos anos, dando
chance após chance de arrependimento aos cananeus, que terminantemente se
recusaram a se arrepender e a mudar de vida.
• Depois de tantas chances
dadas e recusadas, chegou um momento em que a impiedade deles chegou a um
limite de crueldade insuportável onde era impossível que aquilo tudo
continuasse, assim como era impossível continuar permitindo que Hitler matasse
judeus.
• Deus então decidiu usar
o seu povo, Israel, como um instrumento de juízo contra aquelas nações, para as
expulsarem da terra.
• Aquelas nações, no
entanto, se recusaram a deixar a terra e foram à luta contra Israel.
• Deus, então, deu a ordem
de matar qualquer pessoa que fosse à luta contra os israelitas, expressado por
meio da hipérbole: “desde o homem até o menino”.
• Como resultado, todas as
pessoas que os cananeus usaram para guerrear contra os israelitas foram mortas.
Não há registro, porém, que eles tenham usado mulheres ou crianças na batalha,
nem registros de que os soldados israelitas tenham matado alguma delas.
• A missão da conquista da
terra foi cumprida com êxito, colocando fim à opressão e ao terror perpetuado
pelos cananeus, que já durava séculos.
Agora os neo-ateus já
podem parar de choramingar esbravejando e espumando pelos dentes que “a Bíblia
é genocida!!!”. Genocídio mesmo foi o que os Estados oficialmente ateus fizeram
no século passado, exterminando mais de 100 milhões de pessoas inocentes, que
não tinham feito nada contra ninguém. Falaremos disso em um minuto.
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (apologiacrista.com)
(Trecho extraído do meu livro: "Deus é um Delírio?")
- Veja uma lista completa de livros meus clicando aqui.
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[1]
Alister McGrath, O Delírio de Dawkins.
[4]
Só os fortes entenderão.
[5]
Manual Bíblico de Halley, p. 157.
[6]
Em Levítico 20:23 Deus deixa isso ainda mais claro, dizendo: “Não sigam os costumes dos povos que vou expulsar de
diante de vocês. Por terem feito todas
estas coisas, causam-me repugnância”. Todas estas coisas, que o texto
se refere, diz respeito ao contexto daquele capítulo que fala sobre os vários
tipos de imoralidade sexual, de perversão e de crueldade, que eram praticados
entre os cananeus.
Ótimo trabalho você faz, amigo. Não desanime nunca, pois este espaço é um poderoso instrumento contra a apostasia que reina em nossos dias.
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