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Este artigo é parte da minha Tese de Dissertação no Mestrado em Teologia, sobre o mesma tema
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CAP. 1 – A
ESCRAVIDÃO NO ANTIGO TESTAMENTO
1.1 Definições
A
escravidão tem sido um dos piores males e uma das páginas mais sombrias da
história humana na terra. Dificilmente um dia olharemos para trás e retiraremos
a culpa de nossos antepassados em perpetuar tanta maldade, crueldade e
desumanidade para com o próximo. Os neo-ateus sabem disso, e veem nisso uma
ótima oportunidade para fazer aquilo que eles mais sabem fazer: atacar o
Cristianismo, custe o que custar. O problema é que a maioria esmagadora dos
neo-ateus jamais leu a Bíblia toda na vida. Sua militância se baseia
inteiramente em versos isolados, grosseiramente tirados do contexto, sem nenhum
tipo de exegese ou hermenêutica, e se resumindo meramente àquilo que é
divulgado através de livros e blogs neo-ateístas. Seria como se um cristão
quisesse criticar a evolução de Darwin apenas lendo o blog criacionista Answers in Genesis[1].
Quando
os neo-ateus veem a palavra “escravo” em alguma tradução da Bíblia em língua
portuguesa, e aparentemente em um contexto onde aprova tal escravidão, ele
imediatamente acusa a Bíblia de ser a favor do tipo de escravidão que ele está acostumado a ver nos filmes, a ler
nos livros e a estudar na escola. O problema, para começar, é que este tipo de
escravidão sequer está presente nas páginas do Antigo Testamento – o mais usado
pelos neo-ateus. Há uma diferença colossal e monumental entre a escravidão clássica que ele tem em mente, e a
“escravidão” presente nos tempos do Antigo Testamento.
A
escravidão clássica é aquela coisa brutal instigada pelo racismo, onde homens
brancos escravizavam homens negros por crerem que estes últimos eram seres
inferiores ou “sem alma”. Os escravos africanos eram conduzidos desumanamente
em navios negreiros com péssimas condições de vida, onde muitos deles morriam e
eram lançados ao mar[2]; e por fim chegavam às
mãos de capatazes que os açoitavam no tronco o quanto quisessem – muitas vezes
até a morte ou à perda dos sentidos – pois os negros não eram tratados como
algo mais do que mera mercadoria. Gary DeMar assim se refere à escravidão
presente nos Estados Unidos:
“A escravidão praticada neste país [EUA] antes de 1860 era
‘roubar homens’ (sequestro). Africanos ocidentais eram sequestrados, postos em
navios, trazidos para as costas da América, vendidos em leilões, e colocados em
trabalhos forçados. Reconhece-se que muitos escravos eram tratados com decência
em sua chegada e durante o seu cativeiro. Mas não é isso o que se está em
questão. Eles ainda eram escravos, em cativeiro contra sua vontade”[3]
Essa
escravidão sanguinária e monstruosa jamais fez parte da lei de Moisés, nem foi
incentivada em parte nenhuma da Bíblia. Comparar este conceito popular sobre escravidão com a “escravidão” entre os
judeus do Antigo Testamento é uma jogada leviana e desonesta.
Mas,
então, como entender os versos bíblicos que falam sobre escravidão na lei de Moisés?
Em primeiro lugar é necessário entender a amplitude das palavras geralmente
traduzidas por “escravo” no Antigo Testamento. Uma das palavras mais
utilizadas, com 289 ocorrências na Bíblia, é עָבַד (transliterado como `abad), que sequer significa “escravo” propriamente dito, mas
apenas um “servo” ou “empregado”. A maior e mais respeitada concordância do
mundo, a famosa Concordância de Strong, dá os seguintes significados para`abad:
05647 abad
uma
raiz primitiva; DITAT - 1553; v
1) trabalhar,
servir.
1a) (Qal).
1a1)
labutar, trabalhar, fazer trabalhos.
1a2)
trabalhar para outro, servir a outro com trabalho.
1a3)
servir como subordinado.
1a4)
servir (Deus).
1a5)
servir (com tarefa levítica).
1b) (Nifal).
1b1)
ser trabalhado, ser cultivado (referindo-se ao solo).
1b2)
tornar-se servo.
1c) (Pual) ser
trabalhado.
1d) (Hifil).
1d1)
compelir ao trabalho, fazer trabalhar, fazer servir.
1d2)
fazer servir como subordinado.
1e) (Hofal) ser
levado ou induzido a servir.
Como
vemos, nenhum dos significados de`abad é
de “escravo”, embora esta seja a palavra utilizada em muitos dos textos usados
fora de contexto pelos neo-ateus quando acusam a Bíblia de ser a favor da
“escravidão” (ex: Lv.25:39-40; 25:46). Ela é usada em diversos contextos onde
claramente não tem nada a ver com escravidão. Por exemplo, Deus diz para toda a comunidade israelita que “seis dias trabalharás, mas no sétimo descansarás”
(Êx.34:21). A palavra aqui traduzida como “trabalharás” é justamente `abad. Se ela significa “escravo”,
teríamos que concluir que todos os israelitas eram escravos, pois esta é uma
ordenança geral e nenhum deles poderia trabalhar (`abad) no sábado. O fato de todos os israelitas trabalharem (`abad) durante seis dias da semana
mostra que `abad não era uma palavra
que tinha uma conotação “escravista”.
Há
outros contextos que mostram que `abad não
tinha uma conotação de “escravidão” necessariamente, como, por exemplo, as
várias ocasiões onde `abad aparece no
sentido de “servir ao Senhor” (Êx.7:16;
8:1,20; 9:1; 10:3,7,8,11,24,26; 12:31, etc), que nada mais era do que prestar
um culto religioso a Deus. Há também a proibição bíblica a servir (`abad) a outros deuses (Dt.5:9; 11:16;
12:2; 13:6), embora claramente os pagãos não fossem “escravos” destes ídolos,
mas adoradores.
Outra
ocorrência bastante interessante de `abad
está em Números 4:24, ocasião na qual o clã gersonita (que fazia parte da
tribo de Levi) tinha o serviço (`abad)
no templo de “levar as cortinas internas do
tabernáculo, a Tenda do Encontro, a sua cobertura, a cobertura exterior de
couro, as cortinas da entrada da Tenda do Encontro” (Nm.4:25). É
evidente que este não era um trabalho escravo, mas uma simples divisão de
tarefas entre as várias tribos de Israel.
Em
Gênesis 3:23, Adão “cultiva (`abad) o solo”, e em Gênesis 4:2 Caim é descrito como sendo
um “lavrador (`abad)
da terra”. Nestes casos, torna-se ainda mais óbvio que `abad não tem qualquer conotação de
“escravidão”, mas se aplicava indiscriminadamente a qualquer tipo de trabalho
realizado. Até mesmo quando o contexto é sobre o povo de Israel “plantar vinhas” (Dt.28:39), é `abad que aparece.
Jacó
se tornou `abad de Labão por sete
anos (Gn.29:20), sem jamais ter sido “escravo” dele. Um trabalhador assalariado
também era considerado um `abad (Gn.31:6,41).
A conclusão lógica que podemos tirar é que um `abad não era mais do que um servo ou trabalhador comum. Ser `abad nos dias de hoje não seria mais do
que trabalhar como um médico, advogado, secretário, empregada doméstica, etc.
Há
também outra palavra frequentemente associada na Bíblia com a “escravidão”, com
800 ocorrências, a qual é עבד
(transliterado como `ebed). A
Concordância de Strong dá a esta palavra os significados:
05650 ebed
procedente
de 5647; DITAT - 1553a; n m
1) escravo, servo.
1a) escravo, servo,
servidor.
1b) súditos.
1c) servos,
adoradores (referindo-se a Deus).
1d) servo (em sentido
especial como profetas, levitas, etc.).
1e) servo
(referindo-se a Israel).
1f) servo (como forma
de dirigir-se entre iguais).
No
entanto, esta palavra não é mais do que um sinônimo de `abad. Os servos de Abraão, que não eram escravos, mas apenas
trabalhadores, também eram `ebed (Gn.12:16;
14:15; 24:10), assim como Ló era `ebed dos
anjos (Gn.19:19) e Abraão era `ebed do
Senhor (Gn.18:5). Um `ebed podia ser
alguém em uma posição inferior na escala social, mas não um “escravo” no
sentido usual do termo. Assim sendo, Jacó era “servo” (`ebed) de Esaú (Gn.32:4,18,20; 33:5), embora fosse irmão dele e
nunca o tenha “servido” de fato. Da mesma forma, os onze irmãos de José eram
“servos” (`ebed) dele (Gn.44:16), mas
nunca foram “escravos”. Até o pai de José era chamado de `ebed dele (Gn.44:27).
Os
servos (`ebed) do Faraó chegavam
inclusive a comer um banquete na presente deste (Gn.40:20). Quando a família de
José, o governador do Egito, chegou à presença do Faraó, este lhes recepcionou
muito bem e lhes deu de presente toda a terra de Gósen (Gn.47:6), e mesmo assim
eram considerados `ebed do Faraó
(Gn.46:34). Jacó, mesmo sendo `ebed do
Faraó, o abençoou (Gn.47:7), um gesto geralmente presente do maior para o
menor. Em um momento, todos os
egípcios passaram a ser “servos (`ebed) do Faraó” (Gn.47:5),
embora não fossem escravizados.
Assim
como `abad, a palavra `ebed também é usada no contexto de
servir a Deus. Assim, Moisés era servo (`ebed)
de Deus (Nm.12:8; Js.1:13,15; 8:33), embora fosse o chefe de todo o povo. Assim
como Moisés, Calebe também era servo (`ebed)
do Senhor (Nm.14:24). Os chefes das tribos de Gade e de Rúben vieram pedir
terra a Moisés, reconhecendo-se como servos (`ebed) dele (Nm.32:4), embora os chefes das tribos de Israel
obviamente não fossem “escravos” de ninguém. Os israelitas como um todo eram
considerados “servos (`ebed) de Saul” (1Sm.17:8), pelo simples fato de estarem sob
a liderança deste rei. Assim também,
Davi se considerava “servo” (`ebed)
de Saul (1Sm.17:36).
Após
analisar algumas ocorrências de `ebed no
Antigo Testamento, Kyle Butt comenta:
“Nosso uso moderno da palavra 'escravo' geralmente evoca imagens
mentais de crueldade, injustiça e escravidão contra a vontade de uma pessoa.
Embora tais ideias possam estar incluídas no uso bíblico, elas não
necessariamente se encaixam a cada vez que as palavras são usadas. Em vez
disso, a imagem que vemos muitas vezes quando as palavras bíblicas para
'escravo' são empregadas é um arranjo mutuamente benéfico semelhante a uma
relação empregador/empregado”[4]
A
única vez em que `ebed parece ter
claramente o sentido de “escravo” é em relação ao trabalho escravo dos
israelitas no Egito (Êx.5:16; 13:3; 20:2), ocasião na qual os israelitas
prestavam serviços forçados ao Faraó sem qualquer direito, e sendo severamente
açoitados para que cumprissem sua cota diária de trabalho (Êx.5:6-14).
Diante
disso tudo, a King James Version, considerada por muitos estudiosos como a
melhor tradução já feita em língua inglesa, decidiu traduzir a palavra slave (escravo) em somente uma única
ocasião no Antigo Testamento (Jr.2:14). O estudioso bíblico John Goldingay
também concorda com esta análise preliminar sobre os vocábulos `abad e `ebed. Ele assinalou que “não há nada
de intrinsecamente humilde ou indigno em ser um `ebed. Em vez disso, era um termo honroso e digno”[5]. Nosso próximo passo é ver
se os `abad e `ebed em Israel, sob a sanção da lei de Moisés, tinham uma
conotação pejorativa escravocrata, ou se era uma mera referência a um
trabalhador ou servo, de acordo com o sentido geral destes termos na Escritura.
1.2 A “escravidão” entre os
hebreus
Ao
lermos as páginas da lei do Antigo Testamento no que diz respeito aos
“escravos”, temos ainda mais segurança em afirmar que `abad e `ebed não tinham
qualquer conotação pejorativa que os associasse à escravidão clássica ou
antiga. Ao contrário, a lei de Moisés rompe os padrões da época e estabelece
dignidade e cidadania aos servos que, de outra forma, estariam sofrendo muito
mais em outros países, sob as mesmas condições. O “escravo” em Israel não era
um escravo propriamente dito, mas alguém que voluntariamente se vendeu como
servo de outra pessoa a fim de pagar uma dívida que contraiu por algum meio.
Por essa razão, ele trabalhava para a pessoa a quem devia, pelo tanto de tempo
correspondente à sua dívida.
Isso
não é mais do que se eu estivesse endividado com você e não tivesse dinheiro
para pagá-lo no momento, e por essa razão me voluntariasse a trabalhar para
você na sua empresa (ou na sua casa) até que pagasse a dívida com os meus
serviços prestados. Isso obviamente não tem absolutamente nada a ver com a
“escravidão” que estamos acostumados a ler, ou aquela que os ateus usam para
falsamente acusar os cristãos. A lei era clara em dizer que esse servo não
trabalharia como “escravo”, mas como trabalhador contratado, pois de fato o que
ele trabalhava era descontado da dívida até que a mesma fosse totalmente paga:
“Se alguém do seu povo empobrecer e se vender a algum de vocês, não o façam trabalhar como escravo. Ele
deverá ser tratado como trabalhador contratado ou como residente temporário;
trabalhará para quem o comprou até o ano do jubileu. Então ele e os seus filhos
estarão livres, e ele poderá voltar para o seu próprio clã e para a propriedade
dos seus antepassados. Pois os israelitas são meus servos, a quem tirei da
terra do Egito; não poderão ser vendidos
como escravos” (Levítico 25:39-42)
O
conceito básico da “escravidão” entre os hebreus, portanto, não era de um
trabalhador forçado que tinha que trabalhar até o fim da vida sendo tratado
como mera mercadoria nas mãos de um capataz que tem o poder de fazer o que
quiser com ele. Ao contrário: era de trabalhadores devidamente assalariados,
porque tudo o que trabalhavam era descontado diariamente da dívida contraída até
que a mesma fosse quitada, e então o trabalhador era liberado de seu serviço.
Por isso, o “escravo” israelita era corretamente equiparado ao “trabalhador contratado ou residente temporário”
(v.40).
Levítico
25:53 diz explicitamente:
“Ele [o escravo] deverá ser tratado como um empregado contratado
anualmente; não permitam que o seu senhor domine impiedosamente sobre ele”
(Levítico 25:53)
Um
texto que lança mais luz sobre a escravidão entre os hebreus é o de Gálatas
4:1, onde Paulo, um judeu, afirma que “enquanto o
herdeiro é menor de idade, em nada
difere de um escravo, embora seja dono de tudo” (Gl.4:1). Paulo
jamais assemelharia o estado de um herdeiro livre ao estado de um escravo, se o
escravo em Israel fosse uma “mula de carga” como era nas outras nações. Se o
escravo estava no mesmo nível do herdeiro enquanto este é menor de idade, é
porque ele tinha dignidade e respeito, não porque fosse uma propriedade ou
mercadoria. O “escravo” hebreu era apenas um servo trabalhando pelo tempo
correspondente à quitação de uma dívida por ele mesmo contraída.
Keith
Thompson ressaltou que “isso é semelhante ao que
ocorreu no século XVII na América colonial, onde os imigrantes europeus não
podiam pagar a passagem para a América e por isso trabalharam para uma família
a fim de pagá-los pelo preço da passagem”[6]. Gary DeMar também
sublinhou que “muitos dos primeiros colonos dessa
nação [EUA] pagaram sua passagem como trabalhadores compulsórios”[7]. Isso, claramente, não é
“escravidão”, mas apenas um pagamento justo e devidamente correspondente a uma
dívida contraída por alguma razão.
Comentando
o texto de Levítico 25:39-42 (que acabamos de conferir), James M. Rochford
observa três coisas:
“Em primeiro lugar, não havia tal coisa como ‘declaração de
falência’ na cultura antiga. Falência é um fenômeno moderno. Se você caía em
dívida, precisava trabalhar fora. Em segundo lugar, este serviço era voluntário
('ele se vender a vocês' – v.39). Em terceiro lugar, este serviço não foi para
o lucro de comerciantes de escravos”[8]
Em
geral, o “escravo” trabalhava para seu senhor por um período muito breve,
porque era raro alguém contrair dívidas tão grandes no sistema vigente em
Israel, que regulamentava rigorosamente o tanto de riquezas e consequentemente
evitava que alguém empobrecesse muito. Por isso, os casos em que alguém ficava
muito tempo como servo eram geralmente quando um criminoso roubava algo de
alguém, era descoberto e tinha que devolver aquilo que roubou, acrescentando
mais um quinto do valor roubado (Lv.6:5). Em alguns casos excepcionais, o
ladrão tinha que restituir o dobro (Êx.22:7), ou até mesmo quatro ou cinco
vezes mais daquilo que foi roubado (Êx.22:1). Se alguém roubasse muitas vezes,
ou algo de muito valor, iria contrair uma dívida muito grande e
consequentemente passaria muito tempo em servidão. Êxodo 22:3 diz:
“Um ladrão terá que restituir o que roubou, mas se não tiver
nada, será vendido para pagar o roubo” (Êxodo 22:3)
Além
do servo israelita não ser nem perto de um “escravo” na concepção popular do
termo, ele ainda era dotado de uma série de privilégios e benefícios que nunca,
em momento nenhum da história, algum escravo de outra nação jamais possuiu. Por
exemplo, independentemente do tamanho da dívida contraída, o tempo limite de trabalho era de seis
anos. Depois disso, não importa o quanto ainda faltasse para quitar a dívida,
ele tinha que ser liberado e voltar para sua casa sem dever mais nada, e sem
ter que trabalhar mais para seu antigo senhor:
“Se seu concidadão hebreu, homem ou mulher, vender-se a você e servi-lo
seis anos, no sétimo ano dê-lhe a liberdade. E, quando o fizer, não o mande
embora de mãos vazias. Dê-lhe com generosidade dos animais do seu rebanho, do
produto da sua eira e do seu lagar. Dê-lhe conforme a bênção que o Senhor, o
seu Deus, lhe tem dado. Lembre-se de que você foi escravo no Egito e que o
Senhor, o seu Deus, o redimiu. É por isso que hoje lhe dou essa ordem”
(Deuteronômio 15:12-15)
Observe
que além da servidão ter um limite fixo de tempo, o “escravo” ainda recebia o
benefício de sair com provisões dadas pela pessoa a quem trabalhava. Ele não
saía de “mãos vazias” (v.13). O
“proprietário” tinha a obrigação pela lei de lhe prover com alimentos e outros
recursos, a fim de evitar que ele caísse novamente em pobreza e tivesse que se
vender a alguém novamente. Mais uma vez, seria desnecessário dizer que algo
assim não existe em lugar nenhum além de Israel. Só em Israel o servo era tão
beneficiado assim.
Como
se isso não bastasse, ainda existia em Israel o chamado “ano do jubileu”. O ano
do jubileu era um ano em específico que acontecia a cada cinquenta anos. Quando
este ano chegava, todos os escravos tinham que ser libertos, não importa o
tamanho da dívida nem o tanto de tempo que ainda levaria para pagá-la:
“Consagrem o quinquagésimo ano e proclamem libertação por toda a
terra a todos os seus moradores. Este lhes será um ano de jubileu, quando cada
um de vocês voltará para a propriedade da sua família e para o seu próprio clã”
(Levítico 25:10)
“Nesse ano do jubileu cada um de vocês voltará para a sua
propriedade” (Levítico 25:13)
Essa
lei, além de beneficiar o servo, ainda servia de ajuste social para evitar a
extrema pobreza em Israel, já que neste ano do jubileu as propriedades sempre
tinham que voltar aos seus donos originais, e de graça:
“[A propriedade] será devolvida no jubileu, e ele então poderá
voltar para a sua propriedade” (Levítico 25:28)
Isso
evitava duas coisas: (a) que houvesse famílias extremamente ricas,
monopolizando os recursos e se tornando “senhores” de escravos; (b) que
houvesse famílias extremamente pobres, que tivessem sempre que se vender para
pagar uma dívida e depois se vender novamente em função de sua irrevogável
pobreza. Essa lei servia para equilibrar as coisas. Alguém podia enriquecer
durante alguns anos, adquirindo propriedades, mas ao chegar o ano do jubileu
tinha que voltar à sua posse original e devolver aos donos originais aquilo que
lhes foi adquirido. Da mesma forma, alguém podia ficar muito pobre e ter que
vender sua propriedade para pagar a dívida, mas ele mesmo (ou pelo menos seus
filhos) não ficaria pobre para sempre (formando gerações de pobres), mas teria
sua propriedade de volta, e com ela uma nova chance de recomeçar tudo do zero.
Não tenho ideia de outra lei fora de Israel que beneficiasse tanto os servos e
os pobres quanto essa.
Além
disso, a lei proibia que se cobrassem juros de pessoas pobres, impedindo que os
ricos lucrassem em cima deles:
“Se fizerem empréstimo a alguém do meu povo, a algum necessitado
que viva entre vocês, não cobrem juros dele; não emprestem visando lucro”
(Êxodo 22:25)
Ela
também incentivava as doações aos necessitados, de forma liberal e generosa,
sem “relutância no coração”:
“Se houver algum israelita pobre em qualquer das cidades da
terra que o Senhor, o seu Deus, lhe está dando, não endureçam o coração, nem
fechem a mão para com o seu irmão pobre. Ao contrário, tenham mão aberta e
emprestem-lhe liberalmente o que ele precisar. Cuidado! Que nenhum de vocês
alimente este pensamento ímpio: ‘O sétimo ano, o ano do cancelamento das
dívidas, está se aproximando, e não quero ajudar o meu irmão pobre’. Ele poderá
apelar para o Senhor contra você, e você será culpado pelo pecado. Dê-lhe
generosamente, e sem relutância no coração; pois, por isso, o Senhor, o seu
Deus, o abençoará em todo o seu trabalho e em tudo o que você fizer”
(Deuteronômio 15:7-10)
Até
a finalidade do dízimo era para o sustento dos levitas, dos estrangeiros, dos
órfãos, das viúvas e dos mais necessitados:
“Ao final de cada três anos, tragam todos os dízimos da colheita
do terceiro ano e armazene-os em sua própria cidade, para que os levitas, que
não possuem propriedade nem herança, e os estrangeiros, os órfãos e as viúvas
que vivem na sua cidade venham comer e saciar-se, e para que o Senhor, o seu
Deus, o abençoe em todo o trabalho das suas mãos” (Deuteronômio
14:28-29)
Essas
leis de regulamentação e benefício social existiam justamente “para que não haja nenhum pobre no meio de vós” (Dt.15:4),
e funcionavam muito melhor do que qualquer programa social atual. Tais
provisões, como ressalta Rochford, faziam com que “não
houvesse necessidade de alguém se voluntariar como servo”[9]. Fica a questão: quem iria
se preocupar em fazer leis beneficiando os mais pobres e servos, contra a
vontade dos mais ricos e soberanos da terra, se o servo era apenas uma
mercadoria ou propriedade? A verdade é que estas leis que visavam beneficiar os
menos favorecidos existiam justamente porque a ideia de escravidão entre os
hebreus era totalmente inexistente, tendo em vista que o servo hebreu não era
nem de longe considerado um “escravo”, como nos moldes modernos.
A
lei também proibia o sequestro e venda de servos sob pena de morte:
“Se um homem for pego sequestrando um dos seus irmãos
israelitas, tratando-o como escravo ou vendendo-o, o sequestrador terá que
morrer. Eliminem o mal do meio de vocês” (Deuteronômio 24:7)
Outra
lei que favorecia grandemente os escravos era a que permitia que o escravo
fugitivo vivesse em liberdade entre os israelitas, em qualquer cidade que ele
escolhesse:
“Se um escravo refugiar-se entre vocês, não o entreguem nas mãos
do seu senhor. Deixem-no viver no meio de vocês pelo tempo que ele desejar e em
qualquer cidade que ele escolher. Não o oprimam” (Deuteronômio
23:15-16)
Enquanto
as leis antigas puniam o escravo fugitivo com a morte, a lei de Moisés não
apenas não prescrevia punição nenhuma, como também permitia que o fugitivo
vivesse em paz em qualquer cidade que escolhesse, e aquele que o encontrasse
era proibido de entregá-lo de volta a seu patrão! Essa lei, além de ser mais um
grande benefício aos “escravos”, ainda servia para evitar que um senhor
tratasse mal seu servo. A lógica era a seguinte: se um patrão tratasse mal seu
escravo, este poderia fugir e o patrão não poderia fazer nada para impedir
isso. Por esta razão, eles eram incentivados a tratar bem os que trabalhavam
para eles, para que não tivessem nenhuma razão ou motivação para fugir (o que
seria relativamente fácil).
Enquanto
as leis das outras nações deixavam o dono livre para tratar o escravo da forma
que quisesse, a lei de Moisés fazia justamente o contrário: beneficiava o
“escravo” em detrimento de seu “dono”, forçando os donos a tratar bem seus
servos, sob o risco de eles se magoarem pela forma com que são tratados e
fugissem para outro lugar. Talvez seja isso o que explique o texto de
Deuteronômio 15:16-17, o qual diz que um “escravo” poderia voluntariamente
recusar ser “liberto”:
“Mas se o seu escravo lhe disser que não quer deixá-lo, porque
ama você e sua família e não tem falta de nada, então apanhe um furador e fure
a orelha dele contra a porta, e ele se tornará seu escravo para o resto da
vida. Faça o mesmo com a sua escrava” (Deuteronômio 15:16-17)
Se
o servo em Israel fosse tratado como uma mera mercadoria, este texto não teria
sentido nenhum, pois é óbvio que um escravo no sentido clássico do termo não
iria perder nenhuma oportunidade de ser liberto, quando pudesse. O fato é que o
`ebed em Israel era geralmente tão
bem tratado que ele poderia inclusive recusar ser “livre”! Como o texto deixa
claro, a relação geral entre um `ebed e
a família para a qual ele trabalha era de amor, e o servo não tinha falta de
nada (v.16). Comentando este texto, Keith Thompson observa:
“Isso mostra que os servos estavam sendo tratados muito bem, tanto
que muitos optaram por permanecer com a família de seu patrão para sempre por
causa do bom tratamento e cuidados realizados por eles”[10]
O
“American Tract Society Bible Dictionary” também corretamente assinala que:
“Os escravos dos hebreus não eram para servir com rigor, nem
transferidos para um mais cativeiro mais pesado, ele tinha um recurso para os
tribunais, o direito de todos os privilégios religiosos, o poder de exigir a
libertação de uma prestação equivalente pecuniária, e uma doação de seu mestre
em sua libertação”[11]
Em
acréscimo a isso, deve ser observado que Levítico 25:48-49 diz que os escravos
podiam ser resgatados através de algum parente rico que pagasse pela dívida
contraída, de modo a evitar que ele ficasse em servidão; Deuteronômio 25:43 proíbe
que os patrões “dominem impiedosamente sobre os
servos”; Êxodo 21:8 proíbe que uma escrava seja vendida a estrangeiros e
prescreve o resgate dela caso ela não agrade a seu senhor, saindo assim livre;
Êxodo 20:17 proíbe cobiçar o escravo do próximo; Levítico 25:44 proíbe a compra
de escravos israelitas por outro israelita[12]; além disso, os escravos
tinham direitos trabalhistas e podiam descansar nos dias solenes em que as
pessoas livres também descansavam, como é o caso do sétimo dia:
“Trabalharás seis dias e neles farás todos os teus trabalhos,
mas o sétimo dia é um sábado para o Senhor, o teu Deus. Nesse dia não farás
trabalho algum, nem tu nem teu filho ou filha, nem o teu servo ou serva, nem o teu boi, teu jumento ou qualquer
dos teus animais, nem o estrangeiro que estiver em tua propriedade; para que o
teu servo e a tua serva descansem como tu” (Deuteronômio 5:13-14)
Até
o servo tinha descanso no sábado, bem como todo o resto do povo, o que indica
que os “escravos” tinham certos direitos iguais aos homens livres. Nas outras
sociedades, o escravo não tinha direito nenhum, e era obrigado a trabalhar a
qualquer momento que seu dono assim desejasse (ou seja, sempre!). O propósito
maior da guarda do sábado era justamente para que os servos e os estrangeiros
renovassem suas forças:
“Em seis dias façam os seus trabalhos, mas no sétimo não
trabalhem, para que o seu boi e o seu jumento possam descansar, e o seu escravo e o estrangeiro renovem as
forças” (Êxodo 23:12)
Mas
não era só no sétimo dia que o escravo tinha direito de descanso. Havia também
diversos outros descansos periódicos, nas chamadas “festas” e solenidades
israelitas (veja, por exemplo, Levítico 23:7-39). Entre essas datas de descanso
inclui-se o pentecoste, o dia da expiação, a páscoa, a festa dos tabernáculos e
outras solenidades civis e religiosas que Paulo resumiu como sendo os “dias de festa, de lua nova e sábados” (Cl.2:16).
Algumas destas datas festivas de descanso eram relativamente longas, como é o
caso da festa dos tabernáculos, que durava uma semana inteira (Dt.16:13).
Somando
todos estes dias festivos de folga e o sábado, Willard Swartley concluiu que “em um período de 50 anos, os servos tinham 23 anos e 54
dias de folga”[13]. Isso é praticamente a metade do tempo! Isso é mais tempo de
folga do que o tempo que um trabalhador comum assalariado tem nos dias de hoje, sim, em pleno século
XXI. Isso significa que você trabalha mais do que um “escravo” trabalhava em
Israel! E se isso já é impactante se aplicado aos dias de hoje, imagine o quão
gritante fica o contraste com os outros povos da época, que não davam folga
nenhuma aos seus escravos em dia nenhum do ano!
O
detalhe mais interessante por trás de tudo isso é que nestes dias os escravos
não apenas tinham folga, mas eles próprios participavam
da celebração das solenidades, da mesma forma que as pessoas livres, o que
indica a igualmente em moral e dignidade entre ambos:
“E alegrem-se perante o Senhor, o seu Deus, no local que ele
escolher para habitação do seu Nome, junto com os seus filhos e as suas filhas,
os seus servos e as suas servas, os
levitas que vivem na sua cidade, os estrangeiros, os órfãos e as viúvas que
vivem com vocês. Lembrem-se de que vocês foram escravos no Egito e obedeçam
fielmente a estes decretos. Celebrem também a festa das cabanas durante sete
dias, depois que ajuntarem o produto da eira e do lagar. Alegrem-se nessa festa
com os seus filhos e as suas filhas, os
seus servos e as suas servas, os levitas, os estrangeiros, os órfãos e as
viúvas que vivem na sua cidade” (Deuteronômio 16:11-14)
Êxodo
12:44-45 é particularmente ainda mais interessante, uma vez que prescreve que o
escravo poderia comer da páscoa, enquanto o residente temporário e o
trabalhador contratado (ou seja, pessoas livres) não:
“O escravo comprado poderá comer da Páscoa, depois de
circuncidado, mas o residente temporário e o trabalhador contratado dela não
comerão” (Êxodo 12:44-45)
Isso
jamais ocorreria em outra lei antiga sobre escravidão, onde os escravos eram
vistos como a escória do mundo, e não tinham direito nenhum a não ser o de
trabalhar arduamente até morrer. Contrariando tudo isso, o livro de Jó ensina a
igualdade entre senhores e servos:
“Se neguei justiça aos meus servos e servas, quando reclamaram
contra mim, que farei quando Deus me confrontar? Que responderei quando
chamado a prestar contas? Aquele que me
fez no ventre materno não fez também a eles? Não foi ele quem formou a mim e a
eles no interior de nossas mães?” (Jó 31:13-15)
E
em Joel, Deus profetiza o derramar do Espírito indistintamente, sobre os homens
livres e também sobre os “servos e servas”, sem fazer acepção de pessoas:
“E há de ser que, depois derramarei o meu Espírito sobre toda a
carne, e vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos velhos terão
sonhos, os vossos jovens terão visões. E também
sobre os servos e sobre as servas naqueles dias derramarei o meu Espírito” (Joel
2:28-29)
Uma
das maiores características do Deus judaico-cristão, que marca presença ao
longo de toda a Escritura, é justamente de não fazer acepção de pessoas, mas
tratar todos igualmente (cf. Dt.1:7; 10:17; 16:19; 2Cr.19:7; Ml.2:9; Lv.19:15;
Rm.2:11; At.10:34; Tg.2:1,9; Cl.3:25; Ef.6:9; 1Pe.1:17; Lc.20:21).
Todos
os servos e servas também tinham o direito de comer o dízimo em Jerusalém, da
mesma forma que a família para a qual eles trabalhavam:
“Vocês não poderão comer em suas próprias cidades o dízimo do
cereal, do vinho novo e do azeite, nem a primeira cria dos rebanhos, nem o que,
em voto, tiverem prometido, nem as suas ofertas voluntárias ou dádivas
especiais. Ao invés disso, vocês os comerão na presença do Senhor, do seu Deus,
no local que o Senhor, o seu Deus, escolher; vocês, os seus filhos e filhas, os seus servos e servas, e os levitas
das suas cidades. Alegrem-se perante o Senhor, o seu Deus, em tudo o que
fizerem” (Deuteronômio 12:17-18)
Se
alguém ferisse um escravo no olho ou nos dentes, o escravo era automaticamente
liberto e a dívida era na mesma hora quitada (Êx.21:26-27)[14], o que demonstra, mais
uma vez, que os escravos não eram vistos como propriedades de um dono (se
fossem, o dono poderia fazer com eles o que bem entendesse). Comentando este
trecho da lei, W. C. Kaiser diz que ela é “sem
precedentes no mundo antigo, onde um mestre podia tratar seu escravo como
quisesse”[15].
Rochford adiciona que “se este princípio tivesse
sido aplicado na escravidão do Sul [dos EUA], este sistema cruel e desumano
teria sido em grande parte destruído”[16].
Também
a escrava que se casasse com o filho do patrão teria que ter todos os mesmos direitos de uma filha, e não
poderia deixar de provê-la de mantimento e de todos os direitos conjugais:
“Se o seu senhor a escolher para seu filho, lhe dará os direitos
de uma filha. Se o senhor tomar uma segunda mulher, não poderá privar a
primeira de alimento, de roupas e dos direitos conjugais. Se não lhe garantir essas três coisas, ela poderá ir embora sem
precisar pagar nada” (Êxodo 21:9-11)
De
fato, eram tantos os direitos dos “escravos” em Israel que John Wenham escreveu
que “a forma de escravidão que era tolerada no
Antigo Testamento era tão estritamente regulamentada que havia pouca diferença
prática entre um escravo e um trabalhador contratado”[17].
É
digno de nota ressaltar ainda que nos séculos que se seguiram, a escravidão em
Israel foi se tornando cada vez mais incomum, e todos aqueles que insistiam em
ter escravos eram repudiados pelos profetas e exortados a parar com a prática.
Em 2ª Crônicas 28:10-11, por exemplo, lemos:
“Mas um profeta do Senhor, chamado Odede, estava em Samaria e
saiu ao encontro do exército. Ele lhes disse: Estando irado contra Judá, o
Senhor, o Deus dos seus antepassados, entregou-os nas mãos de vocês. Mas a
fúria com que vocês os mataram chegou aos céus. E agora ainda pretendem
escravizar homens e mulheres de Judá e de Jerusalém. Vocês também não são
culpados de pecados contra o Senhor, o seu Deus? Agora, ouçam-me! Mandem de volta seus irmãos que vocês
fizeram prisioneiros, pois o fogo da ira do Senhor está sobre vocês"
(2ª Crônicas 28:9-11)
Como
resultado, os israelitas do norte atenderam a exortação e libertaram os
escravos (v.14).
Outra
ocorrência do tipo encontra-se em Neemias 5:1-13, onde o profeta relata o
encontro que teve com as autoridades judaicas, e como os repreendeu por terem
escravos israelitas:
“Ora, o povo, homens e mulheres, começou a reclamar muito de
seus irmãos judeus. Alguns diziam: ‘Nós e nossos filhos e filhas somos
numerosos; precisamos de trigo para comer e continuar vivos’. Outros diziam:
‘Tivemos que penhorar nossas terras, nossas vinhas e nossas casas para
conseguir trigo para matar a fome’. E havia ainda outros que diziam: ‘Tivemos
que tomar dinheiro emprestado para pagar o imposto cobrado sobre as nossas
terras e as vinhas. Apesar de sermos do mesmo sangue dos nossos compatriotas e
dos nossos filhos serem tão bons quanto os deles, ainda assim temos que
sujeitar os nossos filhos e as nossas filhas à escravidão. E, de fato, algumas
de nossas filhas já foram entregues como escravas e não podemos fazer nada,
pois as nossas terras e as nossas vinhas pertencem a outros’. Quando ouvi a
reclamação e essas acusações, fiquei furioso. Fiz uma avaliação de tudo e então
repreendi os nobres e os oficiais, dizendo-lhes: ‘Vocês estão cobrando juros
dos seus compatriotas!’ Por isso convoquei uma grande reunião contra eles e
disse: ‘Na medida do possível nós compramos de volta nossos irmãos judeus que
haviam sido vendidos aos outros povos. Agora vocês estão até vendendo os seus
irmãos! E assim eles terão que ser vendidos a nós de novo!’ Eles ficaram em
silêncio, pois ficaram sem resposta. Por isso prossegui: ‘O que vocês estão
fazendo não está certo. Vocês devem andar no temor do Senhor para evitar a
zombaria dos outros povos, os nossos inimigos. Eu, os meus irmãos e os meus
homens de confiança também estamos emprestando dinheiro e trigo ao povo. Mas
vamos acabar com a cobrança de juros! Devolvam-lhes
imediatamente suas terras, suas vinhas, suas oliveiras e suas casas, e também o
juro que cobraram deles, a centésima parte do dinheiro, do trigo, do vinho e do
azeite’. E eles responderam: ‘Nós devolveremos tudo o que você citou, e não
exigiremos mais nada deles. Vamos fazer o que você está pedindo’. Então
convoquei os sacerdotes e os fiz prometer sob juramento cumprirem o que haviam
prometido. Também sacudi a dobra do meu manto e disse: ‘Deus assim sacuda de
sua casa e de seus bens todo aquele que não mantiver a sua promessa. Tal homem
seja sacudido e esvaziado!’ Diante disso, toda a assembléia disse ‘Amém’ e
louvou o Senhor. E o povo cumpriu o que prometeu” (Neemias 5:1-13)
Em
Amós 8:6, Deus repreende severamente aqueles que estavam “comprando o pobre com prata e o necessitado por um par
de sandálias” (Am.8:6), e considera essa uma das principais razões pelas
quais o castigo de Israel não seria anulado (Am.2:6). Finalmente, em Jeremias
34:8-10, o profeta convence o rei Zedequias a libertar os escravos:
“O Senhor dirigiu a palavra a Jeremias depois do acordo que o
rei Zedequias fez com todo o povo de Jerusalém de proclamar a libertação dos
escravos. Todos teriam que libertar seus escravos e escravas hebreus; ninguém
poderia escravizar um compatriota judeu. Assim, todos os líderes e o povo que
firmaram esse acordo de libertação dos escravos, concordaram em deixá-los
livres e não mais os escravizaram; o povo obedeceu e libertou os escravos” (Jeremias
34:8-10)
Claramente,
a “escravidão” em Israel não tinha nenhum traço ou semelhança com o conceito popular que temos sobre
escravidão, a qual existia nos outros povos da época. Levítico 25:42 é o texto
que mais nitidamente diferencia os “escravos” hebreus do tipo de escravidão
real que existia nas outras nações:
“Pois os israelitas são meus servos, a quem tirei da terra do
Egito; não poderão ser vendidos como escravos”
(Levítico 25:42)
O
`ebed em Israel não poderia ser
vendido “como escravo”, o que significa que o próprio `ebed não era visto como um escravo propriamente dito, no mesmo
sentido que as outras nações tinham seus escravos. Como vimos, a “escravidão”
entre os hebreus era absolutamente distinta de qualquer tipo de escravidão
clássica ou antiga, e não tem qualquer traço ou ligação com elas. A lei de
Moisés é, de fato, um grande passo e progresso histórico não apenas em relação
à época, mas também em comparação com as épocas posteriores.
Há
um texto em especial que é particularmente mais difícil e que parece confrontar
este estudo, a uma primeira vista. No entanto, se analisado dentro de seu
devido contexto, ele reforça o que foi dito até aqui, ao invés de derrubar. O
texto em questão se encontra em Êxodo 21:20-21, que diz:
“Se alguém ferir seu escravo ou escrava com um pedaço de pau, e
como resultado o escravo morrer, será punido; mas se o escravo sobreviver um ou
dois dias, não será punido, visto que é sua propriedade”
(Êxodo 21:20-21)
O
texto deixa a entender que o escravo poderia apanhar o quanto quisesse que não
haveria problema algum, desde que não causasse a morte. Em caso de morte do
escravo, a punição (embora não especificada aqui) é presumivelmente a pena
capital, uma vez que ela é a pena atribuída ao assassinato ao longo de todo o
capítulo, tornando implícito neste texto a punição capital (não seria
necessário repetir que a pena seria a
morte, uma vez que esta é a punição-padrão para este tipo de ação).
Isso,
por si só, é suficiente para mostrar que o escravo não era visto como
“mercadoria”, pois neste caso não haveria qualquer problema em matá-lo, pois
ninguém pune alguém por destruir algo que é dele mesmo (neste caso, a morte do
escravo seria um direito legal, e não algo que fosse punido com
morte!). É por isso que as leis das outras nações não previam qualquer tipo de
punição para quem matasse um escravo que é seu, já que, como é seu, você
poderia fazer o que quisesse com ele. A lei de Moisés era a única que não via o
escravo como uma simples propriedade, e por isso punia com morte aquele que
matasse algum `ebed.
Mas
ainda há o problema da segunda metade (o v.21), que diz que se o escravo
permanecesse vivo por dois dias não haveria punição. A razão para isso não era
porque o escravo era visto como mercadoria (o que é fortemente rejeitado no
v.20), mas sim porque era dado ao patrão o benefício
da dúvida, ou seja, de que ele não tinha tido a intenção de matar o servo,
mas apenas discipliná-lo por algum mal que ele possa ter feito, ou então por
causa de um ferimento não-intencional. Keith Thompson afirmou:
“Neste caso, o chefe não iria ser condenado à morte, uma vez que
o assassinado teria sido acidental. Isso não significa que patrões devessem
tentar fazer com que seus servos morressem depois de dois dias, nem que isto
tenha sido de alguma forma moral ou bom. O texto não diz isso. Ele está
simplesmente dizendo que se uma morte acidental ocorresse após uma punição
disciplinar, o patrão não merecia a morte. Vida por vida era aplicada somente
quando havia uma intenção consciente de assassinato”[18]
Para
mostrar que esta era uma regra que valia até mesmo para os homens livres, basta
recorrer aos vários trechos da lei onde um israelita matava outro israelita sem
intenção, e nestes casos a punição pela morte nunca era a pena capital para
quem não teve a intenção de matar, mas sim a ida a uma das “cidades de
refúgio”, onde estaria protegido do “vingador do sangue” (Nm.35:10-28).
Portanto, nem mesmo a morte não-intencional de homens livres era punida com a
morte. A forma de punição era apenas a preservação do indivíduo em uma cidade
isolada, e no caso de quem matasse um escravo acidentalmente era de perder o
próprio escravo (e, consequentemente, de não ter a retribuição financeira que
teria, caso o servo continuasse trabalhando até pagar a dívida contraída).
Portanto, o texto não se trata de discriminação contra escravos.
O
que mais lança luz ao caso é justamente o seu contexto, pois os versos
imediatamente anteriores tratam de uma situação hipotética semelhante, só que
na relação entre homens livres e não entre homem livre e escravo. Vejamos:
“Se dois homens brigarem e um deles ferir o outro com uma pedra
ou com o punho e o outro não morrer, mas cair de cama, aquele que o feriu será
absolvido, se o outro se levantar e caminhar com o auxílio de uma bengala;
todavia ele terá que indenizar o homem ferido pelo tempo que este perdeu e
responsabilizar-se por sua completa recuperação” (Êxodo 21:18-19)
A
mesma coisa que vale para o caso do escravo ferido também serve para o homem
livre ferido. Em nenhum dos dois casos há a pena de morte quando não há a morte
da outra pessoa, porque lhe é dado o benefício da dúvida. A diferença é que
quem fere um homem livre tem que pagar o tratamento dele, enquanto aquele que
feriu um escravo tem que libertá-lo (Êx.21:26-27), o que em ambos os casos
geram prejuízo financeiro para o indivíduo que feriu alguém. Como o trabalho
realizado pelo servo já era em si mesmo uma fonte de renda para o patrão, o
fato de o escravo sair livre já era em si mesmo uma perda para o mesmo,
proporcionalmente equivalente ao dano que ele teria caso tivesse agredido um
homem livre ao invés de um escravo.
Um
caso semelhante a este, que também nos ajuda a entender a situação, se encontra
em Deuteronômio 22:25-29, embora o tema ali não seja a escravidão, mas o
estupro. No verso 25 é dito que o homem que estuprasse uma mulher tinha que
morrer, e a mulher sairia livre. Mas o verso 28 fala de uma outra moça que
teria sido “estuprada” e a punição era somente um pagamento em dinheiro. Como
entender isso? A diferença é simples: no primeiro caso, é dito que a moça
gritou pedindo socorro (v.27), o que significa que ela não consentiu no ato.
Mas no segundo caso não é dito que ela gritou, o que significa que ela estava
consentindo. Note que a punição varia entre um crime sem consentimento
(estupro) e uma relação sexual consensual, ainda que considerada pecaminosa na
época (uma vez que o sexo era só para pessoas casadas)[19]. Em todo caso, a mulher
tinha o benefício da dúvida; se ela alega que foi estuprada, somos instigados a
acreditar no depoimento dela.
Voltando
a Êxodo 21:20-21, aqui é dado o mesmo benefício da dúvida, só que ao patrão. O
texto não está inferindo que o patrão pode bater no escravo à vontade contanto
que não cause a morte instantânea, porque isso entraria em direto conflito com
o texto de Êxodo 21:26-27, que diz claramente que maltratar um escravo era o
suficiente para que este tivesse a liberdade. Se o maltrato a um escravo era punido desta forma, quanto mais a morte dele. O que está implícito nestes
versos, então, não é um passe-livre para patrões agredirem seus servos, mas sim
o benefício da dúvida que é concedido caso a agressão não tivesse sido
intencional.
Podemos
até conjecturar sobre as razões que levavam a isso. Em caso de morte imediata,
a simples palavra do patrão não seria o bastante, pois faltaria o depoimento do
escravo (já morto), e ele seria condenado. Mas em caso de sobrevivência do
escravo, o próprio escravo poderia testemunhar sobre não ter sido intencional, e
neste caso o patrão estaria isento, tendo que arcar somente com as despesas e,
é claro, com a perda do próprio servo que viria a falecer mais tarde.
Sobre
a parte final do verso, que diz que “o escravo é sua propriedade”, isso não
deve ser entendido como sendo “apenas” propriedade (no sentido escravocrata
clássico do termo). Paul Copan faz uma importante observação sobre isso ao
dizer:
“Mesmo quando os termos comprar, vender ou adquirir são usados
para os funcionários/empregados, eles não implicam que a pessoa em questão seja
‘apenas propriedade’. Pense em um jogador de futebol nos dias de hoje, que é ‘negociado’
para outra equipe, para a qual ele ‘pertence’. Sim, as equipes têm ‘donos’, mas
nem de longe estamos falando de escravidão aqui! Em vez disso, estes são
acordos contratuais formais”[20]
Portanto,
embora o texto de Êxodo 21:20-21 seja de difícil interpretação e possa
aparentemente levar a equívocos se analisado apenas superficialmente, não há
nada nele que comprometa o sentido real e verdadeiro de `ebed à luz da Bíblia, se examinado mais cuidadosamente.
Outro
texto geralmente utilizado por neo-ateus e críticos da Bíblia em geral é esse:
“Se um homem deitar-se com uma escrava prometida a outro homem,
mas que não tenha sido resgatada nem recebido sua liberdade, aplique-se a
devida punição. Contudo não serão mortos, porquanto ela não havia sido
libertada. O homem, porém, trará ao Senhor, à entrada da Tenda do Encontro, um
carneiro como oferta pela culpa” (Levítico 19:20-21)
Não
haveria nenhum problema com este texto (assim traduzido pela NVI) se não fosse
pelo fato da King James ter cometido um erro de tradução imperdoável, vertendo
por “aplique a ela a devida punição”,
ao invés de “aplique-se a devida
punição”. Com este equívoco, passou-se a ideia de que apenas a mulher era
punida pelo adultério, e o homem saía ileso e tinha apenas que trazer ao Senhor
um carneiro como oferta pelo pecado. É importante ressaltar que o pronome “ela”
(no hebraico, היא)
não consta no texto bíblico original, e que atualmente quase nenhuma tradução
segue o erro da King James (nem mesmo aquelas que traduziram a partir da KJV).
As versões Almeida em geral vertem o texto no plural (“serão castigados”)[21], e as versões católicas
também não sugerem que a punição é válida somente à mulher[22]. O que reforça isso é o fato de que tanto o homem quanto a mulher livres eram punidos da mesma forma pelo ato de adultério (Lv.10:20; Dt.22:22), ao invés de apenas a mulher ser punida.
1.3 Os escravos
prisioneiros de guerra
O
segundo tipo de escravidão presente na lei de Moisés era referente aos
estrangeiros que eram derrotados em uma batalha e, por um ato de misericórdia,
tinham suas vidas poupadas e passavam a servir o povo que os venceu. Em
primeiro lugar, é fundamentalmente importante distinguir esses estrangeiros dos
estrangeiros em geral. A lei de Moisés era em disparado a lei que mais
beneficiava estrangeiros dentre todas as leis da época. Esses estrangeiros, uma
vez circuncidados, passavam a integrar a sociedade judaica e tinham os mesmos
direitos de um cidadão nascido na terra:
“Vocês terão a mesma lei para o estrangeiro e para o natural. Eu
sou o Senhor, o Deus de vocês” (Levítico 24:22)
“A assembleia deverá ter as mesmas leis, que valerão tanto para
vocês como para o estrangeiro que vive entre vocês; este é um decreto perpétuo
pelas suas gerações, que, perante o Senhor, valerá tanto para vocês quanto para
o estrangeiro residente” (Números 15:15)
O
tratamento para com o estrangeiro em Israel também tinha que ser o mesmo
tratamento devido aos próprios israelitas:
“O estrangeiro residente que viver com vocês será tratado como o
natural da terra. Amem-no como a si mesmos, pois vocês foram estrangeiros no
Egito. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês” (Levítico 19:34)
Há
inúmeras passagens na lei que prescrevem o amor, cuidado e caridade para com
esses estrangeiros. Por exemplo, um israelita não poderia exigir juros de um
estrangeiro, nem lucrar em cima dele:
“Se alguém do seu povo empobrecer e não puder sustentar-se, ajudem-no como se faz ao estrangeiro e ao
residente temporário, para que possa continuar a viver entre vocês. Não
cobrem dele juro algum, mas temam o seu Deus, para que o seu próximo continue a
viver entre vocês. Vocês não poderão
exigir dele juros nem emprestar-lhe mantimento visando lucro”
(Levítico 25:35-37)
Havia
também uma lei que proibia a colheita em toda a extremidade da propriedade de
um israelita livre, justamente com a finalidade de que os pobres e os
estrangeiros fossem beneficiados com parte da colheita:
“Quando fizerem a colheita da sua terra, não colham até às
extremidades da sua lavoura, nem ajuntem as espigas caídas de sua colheita. Não
passem duas vezes pela sua vinha, nem apanhem as uvas que tiverem caído.
Deixem-nas para o necessitado e para o estrangeiro. Eu sou o Senhor, o Deus de
vocês”
(Levítico 19:9-10)
Em
qual outro lugar do mundo alguém era proibido de colher parte da sua própria colheita, para dá-la
necessariamente a um estrangeiro? Em
lugar nenhum! A lei de Moisés foi certamente um marco histórico na ajuda e
amparo aos indivíduos de outras nações, ao invés de tratá-los com desdém ou
explorá-los:
“Não se aproveitem do pobre e necessitado, seja ele um irmão
israelita ou um estrangeiro que viva
numa das suas cidades. Paguem-lhe o seu salário diariamente, antes do
pôr-do-sol, pois ele é necessitado e depende disso. Se não, ele poderá clamar
ao Senhor contra você, e você será culpado de pecado”
(Deuteronômio 24:14-15)
“Pois o Senhor, o seu Deus, é o Deus dos deuses e o Soberano dos
soberanos, o grande Deus, poderoso e temível, que não age com parcialidade nem
aceita suborno. Ele defende a causa do
órfão e da viúva e ama o estrangeiro, dando-lhe alimento e roupa. Amem
os estrangeiros, pois vocês mesmos foram estrangeiros no Egito”
(Deuteronômio 10:17-19)
“Não
oprimam a viúva e o órfão, nem o
estrangeiro e o necessitado. Nem tramem maldades uns contra os outros”
(Zacarias 7:10)
“Não maltratem nem oprimam o estrangeiro, pois vocês
foram estrangeiros no Egito” (Êxodo 22:21)
“Maldito quem negar justiça ao estrangeiro, ao órfão ou à
viúva”
(Deuteronômio 27:19)
“Não neguem justiça ao estrangeiro e ao órfão, nem tomem
como penhor o manto de uma viúva” (Deuteronômio 24:17)
"’Eu virei a vocês trazendo juízo. Sem demora vou
testemunhar contra os feiticeiros, contra os adúlteros, contra os que juram
falsamente e contra aqueles que exploram os trabalhadores em seus salários, que
oprimem os órfãos e as viúvas e privam
os estrangeiros dos seus direitos, e não têm respeito por mim’, diz o
Senhor dos Exércitos” (Malaquias 3:5)
A
conclusão óbvia que chegamos é que os estrangeiros em Israel eram extremamente
favorecidos, em um nível muito maior do que qualquer israelita seria recebido
em outra nação. Isso bate frontalmente com a mentira descarada de alguns
neo-ateus militantes, de que a moralidade em Israel valia somente para os
membros do mesmo grupo, com hostilidade aos estrangeiros. Richard Dawkins, por
exemplo, chegou a afirmar isso em seu livro mais famoso, onde ataca o
Cristianismo com falácias, distorções e espantalhos em um nível nunca antes
visto pelo homem:
“Jesus foi um devoto da mesma moralidade entre membros do mesmo
grupo – associada à hostilidade a
forasteiros – que era tida como certa no Antigo Testamento. Jesus era um
judeu leal. Foi Paulo quem inventou a idéia de levar o Deus judeu aos gentios.
Hartung usa um tom mais duro do que eu me atreveria: ‘Jesus teria se revirado
no túmulo se soubesse que Paulo estava levando seu plano para os porcos’”[23]
Mas
se o estrangeiro era tratado com amabilidade sem igual, de que forma podemos
entender os textos que prescrevem a escravidão de não-israelitas? A resposta é
que eles não se aplicam ao estrangeiro comum, nem aos não-israelitas como um
todo, mas somente para com os soldados de outras nações que entravam em guerra
contra os israelitas, perdiam e eram levados cativos (presos). Isso não se
difere em absolutamente nada do que ocorre, por exemplo, nas prisões
norte-americanas, onde alguém que faz algum mal é preso, e na prisão é forçado
a trabalhar, a fim de impulsionar o desenvolvimento da nação ao invés de ser um
parasita social. O problema é que no mundo antigo não havia um sistema
prisional tão avançado como temos hoje. Isso era totalmente inviável para os
padrões da época. Por essa razão, esses prisioneiros eram enviados para
trabalhar nas lavouras das famílias israelitas, onde faziam a mesma coisa que
um prisioneiro americano faz: trabalhar.
É
importante ressaltar que este tipo de “escravidão” também não tinha qualquer
relação com a escravidão clássica, que estamos acostumados a ter em mente.
Excetuando o benefício do limite de seis anos de trabalho e do ano do jubileu,
o prisioneiro que trabalhava para alguém tinha exatamente os mesmos direitos
legais que um servo israelita tinha (e listamos vários deles no tópico
anterior, de modo que não é necessário repetirmos aqui). A lei de Moisés em
momento nenhum faz separação entre os “tipos de escravos” ao tratar sobre a
benevolência necessária para com eles, ou sobre os direitos legais dos mesmos.
Ao contrário, as leis sobre escravidão eram leis gerais que deviam ser
aplicadas a qualquer escravo em Israel, fosse ele um prisioneiro de guerra ou
um israelita endividado.
Portanto,
aqui não estamos tratando de pessoas andando por aí com correntes em torno do
pescoço, sendo açoitadas em um tronco e trabalhando até a exaustão, sob uma
escravidão baseada em preconceito racial. Ao contrário: esse tipo de “escravidão”
não era mais do que um preso nos dias de hoje, com a diferença de que havia
muito mais liberdade, direitos e dignidade para o servo estrangeiro em Israel
do que para um preso nos dias atuais.
É
necessário sempre ressaltar que este tipo de “escravidão”, longe de ser aquela
coisa monstruosa que os neo-ateus pintam, era justamente uma medida de misericórdia
para com os “escravizados”, uma vez que o mais comum em uma batalha
antiga era a morte de todos os
soldados inimigos. Eles só eram poupados e mantidos em vida quando se rendiam,
se entregando para o exército adversário, admitindo e concordando com sua
própria sujeição. Em outras palavras, eram aquelas próprias pessoas que
decidiam servir os israelitas, ao invés de preferir a morte. O fato de que no
mundo antigo este tipo de servidão era visto como uma saída de misericórdia ao
invés de algo degradante pode ser visto no caso dos gibeonitas, que enganaram
Josué e que de livre vontade se entregaram para servir os israelitas ao invés
de preferirem a morte:
“...‘Agora vocês estão debaixo de maldição: Nunca deixarão de
ser escravos, rachando lenha e carregando água para a casa do meu Deus’. Eles
responderam a Josué: ‘Os seus servos ficaram sabendo como o Senhor, o seu Deus,
ordenou que o seu servo Moisés lhes desse toda esta terra e que destruísse
todos os seus habitantes da presença de vocês. Tivemos medo do que poderia
acontecer conosco por causa de vocês. Por isso agimos assim. Estamos agora nas suas mãos. Faça conosco o
que lhe parecer bom e justo’. Josué então os protegeu e não permitiu que os
matassem” (Josué 9:23-27)
Colocar
algum povo inimigo derrotado em uma guerra em servidão era, como vemos, um modo
de protegê-los, poupando-lhes a vida, e não era visto como um ato cruel ou
imoral.
Mas
ainda parece que há um problema. Por que, ao invés de colocar alguém em
servidão no contexto da guerra, eles simplesmente não permitiam que
continuassem vivendo em liberdade no mesmo lugar e da mesma forma que antes?
Para responder a esta questão, é necessário entrar no contexto da guerra. Se o
exército israelita (ou qualquer outro inserido numa guerra) os deixasse viver
em total liberdade, seria mera questão de tempo para que eles se reerguessem e
entrassem em guerra novamente, resultando em mais milhares de mortes e
destruição de peso incalculável. Em meu livro “Deus é um Delírio?”, escrevi:
“Se uma nação inimiga tentasse invadir Israel e destruir todos
os seres humanos naquela terra e Israel vencesse a batalha e os deixasse vivos
e com liberdade, seria mera questão de tempo para que estes soldados inimigos
se reunissem e atacassem de novo o país, resultando em mais mortes, mais vidas
inocentes perdidas e até na possibilidade de genocídio. De fato, nenhuma guerra
poderia ser vencida se os ganhadores deixassem o adversário vivo, forte e
livre. A situação pioraria ainda mais se este inimigo se aliasse a outro
inimigo, e eles não teriam a mesma misericórdia. Deixá-los todos vivos e com
liberdade seria, portanto, um suicídio, e colocaria em risco a vida de toda a
nação”[24]
A
sujeição de um exército derrotado e potencialmente perigoso não é errado sob a
perspectiva moral ou histórica, exceto se esta sujeição fosse violenta ou
opressiva – o que, como vimos, não era o caso em Israel. Da mesma forma que
hoje em dia não consideramos “errado” prender um criminoso na cadeia, mas
somente se este criminoso for abusado ou agredido ali dentro, igualmente na
época prender um soldado inimigo perigoso (de uma nação que costumava
assassinar suas próprias crianças, é bom lembrar) não era em si mesmo imoral,
exceto caso o mesmo fosse oprimido – e quando era, a lei obrigava soltá-lo
(Êx.21:26-27).
1.4 Os escravos comprados
de outros povos
O
terceiro tipo de “escravidão” presente em Israel nos dias do Antigo Testamento
refere-se aos escravos comprados dos povos ao redor (Lv.25:45-46). Isso, a uma
primeira vista, pode parecer uma contradição com os tópicos que vimos até aqui,
mas o mesmo se torna mais claro quando vemos o tipo de lei vigente nestas
outras nações, de onde os escravos eram comprados. O que imperava nestes
lugares era uma total e absoluta crueldade para com o escravo. Uma leitura
rápida no famoso Código de Hamurabi (1700 a.C) é suficiente para perceber o
quão aberrante e monstruoso ele era para com os escravos[25]. Bastava que o escravo
dissesse “tu não és meu senhor”, que o seu
senhor já tinha que cortar-lhe a orelha (lei 282)[26].
Enquanto
a lei de Moisés punia com a morte quem matasse um escravo, o Código de Hamurabi
punia apenas com o pagamento de “um terço de mina”
(lei 116), um quantitativo relativamente pequeno. Enquanto a lei de Moisés
proibia que alguém entregasse um escravo de volta a seu patrão e ainda permitia
que o escravo vivesse livremente onde quisesse (Dt.23:15-16), o Código de
Hamurabi punia com a morte quem não entregasse o escravo:
15º Se alguém tomar um escravo homem ou mulher da corte para fora
dos limites da cidade, e se tal escravo homem ou mulher, pertencer a um homem
liberto, este alguém deve ser condenado à morte. 16º Se alguém receber em sua casa um escravo fugitivo da corte,
homem ou mulher, e não trazê-lo à proclamação pública na casa do governante
local ou de um homem livre, o mestre da casa deve condenado à morte.
Os
outros códigos de leis antigas sobre os escravos não eram melhores. Na época de
Jesus, estima-se que 85 a 90% da população no império romano consistiam de
escravos[27].
O império grego não passava muito longe: ¾ eram escravos. Ainda mais lastimável
é saber que a vida do escravo podia ser legalmente tirada pelo seu senhor,
quando ele bem entendesse. Como o escravo era propriedade, era comum
entregá-los a um hóspede para ter relações sexuais com ele. Simplesmente não
existiam leis em benefícios dos escravos. Ivan Saraiva afirmou:
“Entre os romanos, se um chefe de família fosse assassinado,
todos os seus escravos domésticos eram levados à morte sem inquérito legal.
Quatrocentos escravos pertencentes a um cidadão romano foram levados à morte
porque tiveram o azar de estarem no mesmo teto do seu senhor quando este foi
assassinado”[28]
O
Dr. Walter Kaiser resume isso tudo sob as palavras de que, “no mundo antigo, um mestre poderia tratar seu escravo
como quisesse”[29]. Provavelmente seja isso
o que explique a famosa revolta dos escravos romanos sob a liderança de
Espártaco (73-71 a.C), fato este que nunca ocorreu entre os hebreus, já que os
servos em Israel eram muito bem tratados. Paul Copan, após comparar a lei dos
hebreus com as leis dos outros povos da época, concluiu que “o tratamento de servos (escravos) em Israel não tem
paralelo no antigo Oriente Médio”[30].
É
por isso que Deus permitia que os israelitas comprassem escravos de outras
nações: para salvar estes escravos dos maus-tratos e desumanidade que eles
sofriam nos outros lugares. Se a escravidão ainda não podia ser abolida, dada a
dureza do coração dos homens (Mt.19:8), ela pelo menos foi humanizada em
Israel. Muhammad Dandamayev escreveu que “temos na
Bíblia os primeiros apelos da literatura mundial para tratar os escravos como
seres humanos para seu próprio bem, e não apenas para o interesse dos seus donos”[31].
Desta
forma, o escravo que em outro lugar trabalharia cruelmente sob péssimas
condições até a morte, em Israel seria tratado como um servo com direitos civis
e diversos benefícios, que ele nunca teria se permanecesse em sua terra de
origem. Como bem ressaltou Keith Thompson, “isso
serviu como uma forma de resgatar aqueles que estavam presos no tráfico de
escravos e que de outra forma acabariam em uma terra selvagem sendo mutilados”[32].
1.5 Quando uma nação
inteira estava em “servidão”
Era
costume de todas as nações que venciam suas guerras que o povo vencido fosse
levado cativo – mantido vivo, mas com liberdade levemente restringida. Eles não
tinham todos os mesmos direitos que um cidadão israelita comum, mas seus
serviços prestados estavam absolutamente longe de ser equiparados à escravidão
clássica. O próprio povo de Israel foi levado cativo para a Assíria (em 721
a.C) e para a Babilônia (em 587 a.C) quando foi derrotado em suas guerras, mas
não há nada que indique que eles eram maltratados nestes lugares. Muito pelo
contrário: muitos dos israelitas deportados (ou das gerações que se seguiram)
alcançaram alta posição e status social no Estado, o que seria impossível se
eles fossem tratados como “escravos”.
Daniel,
por exemplo, se tornou o terceiro maior de toda a Babilônia e governador de 127
províncias (Dn.5:29), e seus três amigos (Sadraque, Mesaque e Abede-Nego) eram
os mais importantes conselheiros do rei e ocupavam “as
melhores posições na província da Babilônia” (Dn.3:30). Neemias era
copeiro e amigo do rei (Ne.1:11), para quem pôde abrir seu coração sobre seus
sentimentos em relação ao seu povo judeu e teve do rei a autorização para ir a
Jerusalém e agir conforme bem entendesse (Ne.2:1-8). Semelhantemente, Mardoqueu
“era influente no palácio; sua fama espalhou-se
pelas províncias, e ele se tornava cada vez mais poderoso” (Et.9:4),
sendo ele “o segundo na hierarquia, depois do rei
Xerxes” (Et.10:3). E Ester, também judia, era “somente” a rainha
(Et.7:1).
Os
judeus, mesmo sob a condição de servos do império babilônico, medo-persa, grego
ou romano, sempre tiveram seus próprios governadores, e basta uma leitura
simples nos evangelhos para perceber que os judeus da época, mesmo sob a
autoridade de Roma, viviam em plena liberdade de ir e vir, sem serem “escravos”
de ninguém (Jo.8:33).
Portanto,
é simplesmente incorreto inferir que estes povos conquistados, por estarem sob
a condição legal de “servos” de um império dominante, eram por conseguinte
“escravos” no sentido clássico da palavra. Essa “escravidão”, se é que pode ser
chamada assim, se resumia a obedecer as leis civis do povo dominante e a
pagar-lhe tributo (imposto). Neste sentido, os cidadãos do Brasil Colônia eram
“escravos” de Portugal (para quem tinham que pagar “o quinto”), e até hoje no Brasil
trabalhamos cinco meses apenas para pagar
os impostos[33],
e mesmo assim não nos consideramos “escravos” do Estado.
1.6 Considerações
Adicionais
Quando
discorremos sobre a escravidão no Antigo Testamento, é sempre necessário
entendermos dois contextos. Primeiro, o contexto do próprio texto bíblico em
si, analisando cuidadosamente os versos anteriores e posteriores, o que a
Bíblia como um todo diz sobre o assunto e, quando necessário, o que os termos
significam nos originais. Isso porque, como vimos, a maioria das vezes em que
um neo-ateu arremete contra o Cristianismo usando a questão da escravidão é
tirando textos do contexto, aplicando uma escravidão clássica monstruosa para
dentro de textos bíblicos que nem de longe estão tratando disso.
O
segundo contexto que sempre temos que ter em mente é o contexto histórico. Deus
não estava escrevendo aquelas páginas da lei para os brasileiros do século XXI,
mas para os judeus dos tempos de Moisés (por volta de 1500 a.C). Há certas
coisas que claramente não se aplicam a nós em nossos dias. Uma das leis
mosaicas dizia que o homem devia enterrar suas fezes (Dt.23:13). Naquela época,
isso fazia sentido para evitar a contaminação. Mas hoje temos uma moderna rede
de esgotos e aparelhos sanitários que fazem isso de forma muito mais eficiente.
A
lei de Moisés, como um todo, serviu para uma época específica, a qual era a “sombra dos bens vindouros” (Hb.10:1). Uma vez que
estes bens vindouros já chegaram (na nova aliança), já não precisamos mais
seguir a sombra (lei do Antigo Testamento), pois já temos a realidade, que é
Jesus. É por isso que os apóstolos no Novo Testamento sempre fizeram questão de
ressaltar que a antiga aliança (preceitos do Antigo Testamento) já havia dado
lugar a uma “nova aliança”, de modo que nós em nossos dias já não estamos
debaixo da antiga lei.
Paulo
disse que “antes que viesse esta fé, estávamos sob
a custódia da lei, nela encerrados, até que a fé que haveria de vir fosse
revelada. Assim, a lei foi o nosso tutor até Cristo, para que fôssemos
justificados pela fé. Agora, porém, tendo chegado a fé, já não estamos mais sob
o controle do tutor” (Gl.3:23-25). Ele também disse que a justiça de
Deus é “independente da lei” (Rm.3:21), que “se os que vivem pela lei são herdeiros, a fé não tem
valor, e a promessa é inútil” (Rm.4:14), que nós “não estamos debaixo da lei, mas debaixo da graça” (Rm.6:14),
que nós “morremos para a lei” (Rm.7:4), que “o fim da lei é Cristo, para a justificação de todo o que
crê” (Rm.10:4), que “fomos libertados da
lei, para que sirvamos conforme o novo modo do Espírito, e não segundo a velha
forma da lei escrita” (Rm.7:6), que “eu
mesmo não estou debaixo da lei” (1Co.9:20), que “por
meio da lei eu morri para a lei, a fim de viver para Deus” (Gl.2:19),
que “os que são pela prática da lei estão debaixo
de maldição” (Gl.3:10), que “se vocês são
guiados pelo Espírito, não estão debaixo da lei” (Gl.5:18) e que Cristo “anulou em seu corpo a lei dos mandamentos expressa em
ordenanças” (Ef.2:15).
Analisarmos
a questão da escravidão sob uma perspectiva moral é fácil: ela é errada, e
ponto final. Mas analisarmos esta mesma questão sob uma perspectiva
histórico-cultural é algo muito mais complexo. A escravidão era uma triste
realidade em todos os povos, com a diferença de que nos outros povos o escravo
não era mais do que uma mercadoria da qual o dono podia agir conforme bem
entendesse, torturando o escravo, o fazendo trabalhar até a exaustão sem nenhum
descanso e até mesmo o matando, sem receber qualquer punição por isso.
Em
Israel, por contraste, Deus humanizou a
escravidão, que ainda era a única forma de sobrevivência possível para certas
pessoas naquele contexto social e histórico. A maioria esmagadora dos servos em
Israel acabaria morrendo na pobreza e não teria onde viver ou morar se não
fosse pelo sistema de trabalho que envolvia a submissão a um patrão que tinha
sempre a obrigação de suprir todas as necessidades de seus servos, que comiam
da mesma comida dele, que eram tratados como um trabalhador pago, que tinham
direitos civis e dias de descanso, e que não sofriam qualquer preconceito por
questão de raça, etnia ou cor de pele.
Deus
não “acabou” com a escravidão em Israel, porque isso era impossível e inviável
para as circunstâncias da época. Mas ele pelo menos a humanizou, dando a
dignidade, honra e respeito que todo ser humano merece, uma vez que na
concepção judaico-cristã todos são igualmente criados à imagem e semelhança de
Deus (Gn.1:27). Hoje em dia, nós não temos ainda condições de acabar com o
problema da extrema-pobreza, dos sem-teto e dos mendigos, mas podemos nos
esforçar em tratá-los da melhor forma possível, criando abrigos para
desabrigados ou dando esmolas. Este não é o ideal, mas infelizmente é a nossa realidade. Não é o ideal que está
em jogo, mas a realidade, e o que pode ser feito em meio a ela.
CAP. 2 – A
ESCRAVIDÃO NO NOVO TESTAMENTO
1.1 Introdução
No
capítulo anterior, vimos que a “escravidão” em Israel não tinha qualquer
relação com o conceito popular de escravidão (associado à escravidão clássica)
e era muito menos cruel do que, por exemplo, se deixasse os pobres morrerem de
fome, como deixamos hoje, em pleno século XXI. Comparativamente, é indiscutível
que o sistema de trabalho “escravo” em Israel era muito menos ruim do que, por
exemplo, alguém mendigando nos dias de hoje. O mendigo não tem casa pra morar
nem teto para se abrigar, mas o servo em Israel tinha tudo isso. O mendigo não
tem o que comer, exceto se conseguir algumas moedinhas ao longo do dia,
enquanto o servo em Israel comia do bom e do melhor da casa do patrão a quem
servia.
O
mendigo não tem expectativa na vida, pois a chance de voltar a viver dignamente
é virtualmente zero, enquanto o servo em Israel trabalhava seis anos, quitava
todas as suas dívidas e tinha sua propriedade de volta. O mendigo vive exposto
à chuva e ao frio, mas o servo em Israel encontrava abrigo e amparo. O mendigo
está exposto à violência de vândalos na rua, mas o servo em Israel era bem
tratado. O mendigo não tem para onde fugir, mas se o servo em Israel fugisse para
qualquer lugar que fosse, teria que ser acolhido.
É
absolutamente indiscutível que ser um servo em Israel era infinitamente melhor
do que ser um mendigo nos dias atuais (ou um mendigo nos tempos antigos). O
sistema de trabalho forçado em Israel servia justamente para que aquelas
pessoas que de outra forma passariam a vida toda mendigando pudessem trabalhar,
gerar desenvolvimento à nação e viver dignamente. Se isso era de alguma forma
cruel ou imoral da parte dos israelitas, o que fazemos hoje é indiscutivelmente
pior e mais grave. Isso nenhum neo-ateu considera, por razões óbvias. O que
vale é criticar a Bíblia.
Mas
ao chegarmos ao Novo Testamento, não estamos lidando mais com a escravidão
entre os hebreus, que vimos no capítulo anterior. Na época em que o Novo
Testamento foi escrito (no século I d.C), os judeus já haviam deixado a
condição de “senhores” para a condição de “servos”, passando a estar sob a
autoridade e jurisdição do império romano, que era quem realmente mandava.
Neste contexto, a escravidão que os evangelistas e apóstolos abordaram não era
mais o tipo de escravidão judaica, que já estava definhando, mas a escravidão
romana. E o problema é que os romanos, diferentemente dos hebreus, eram
extremamente severos e cruéis com seus escravos, os quais não tinham qualquer
direito, e eram constantemente oprimidos.
É
neste novo contexto que surge Jesus e Paulo. Os neo-ateus acusam ambos por não
terem levantado voz contra a cruel escravidão vigente na época. Sam Harris, por
exemplo, declarou que “em nenhum ponto do Novo
Testamento Jesus faz objeção à prática da escravidão”[34]. Isso é falso. Veremos o
que Jesus e Paulo nos tem a dizer.
1.2 Jesus e a Escravidão
Uma
das afirmações mais memoráveis de Jesus enquanto esteve entre nós foi,
certamente, esta aqui:
“Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles
lhes façam; pois esta é a Lei e os Profetas” (Mateus 7:12)
“Fazer
aos outros o que você quer que os outros façam a você” pode ser considerado o
cerne moral do evangelho cristão. É evidente que ninguém quer ser escravizado – muito menos no tipo de escravidão cruel
impregnado pelos romanos da época de Jesus. Se isso é verdade, então a
consequencia lógica e irredutível da aplicação deste princípio bíblico é o fim
da escravidão: da mesma forma que nós não queremos ser escravos de ninguém,
também não vamos escravizar ninguém. Este era, aliás, o principal argumento
bíblico dos abolicionistas cristãos do século XIX, que é fortemente
estabelecido por Jesus.
Há
pelo menos dois textos onde Jesus condena mais expressamente a escravidão. O primeiro se encontra em Lucas
4:18-19, que diz:
“O Espírito do Senhor está sobre mim, porquanto me ungiu para
anunciar boas novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos, e restauração da vista aos cegos,
para pôr em liberdade os oprimidos,
e para proclamar o ano aceitável do Senhor” (Lucas 4:18-19)
Aqui
vemos claramente que Jesus era a favor da “liberdade aos cativos” e queria que
os oprimidos fossem “postos em liberdade”. Embora este texto se entenda também
de forma espiritual (i.e, liberdade das cadeias do pecado), é inevitável que a
aplicação espiritual tenha um fundo de verdade natural, a qual é aqui
concebida. Em outras palavras, pôr em liberdade os oprimidos espiritualmente só
é algo positivo porque em sentido natural também o é. De outra forma, a
aplicação espiritual perderia o sentido. O texto, portanto, claramente coloca
Jesus contra o sistema de opressão e cativeiro em que aquelas pessoas estavam
inseridas.
O
segundo texto em que Jesus condena a escravidão está em Marcos 10:42-45:
“Mas Jesus chamou-os para junto de si, e disse: Sabeis que os
que são reconhecidos como governadores dos gentios, dominam sobre os seus
vassalos, e sobre eles os seus grandes exercem autoridade. Não será assim entre vocês. Pelo contrário, quem quiser tornar-se
importante entre vocês deverá ser servo; e quem quiser ser o primeiro deverá
ser escravo de todos. Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido,
mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos’”
(Marcos 10:42-45)
As
autoridades das nações seculares da época dominavam sobre seus vassalos, mas
entre os cristãos não seria assim. Este sistema, em uma comunidade governada por
cristãos, teria que ser invertido: ao invés dos governantes e pessoas que
exercem autoridade escravizarem as demais que estão abaixo delas em poder, são elas que deveriam se humilhar e se
tornar “servas” de todos! Esta não é apenas uma enfática negação ao sistema escravocrata, mas muito mais do que isso: é a inversão radical do sistema. Jesus é
visto como o modelo. Ele, como o Deus encarnado, estava na maior posição de
autoridade possível, mas ao invés de fazer escravos, ele próprio se tornou
servo de todos os outros, e morreu por eles.
Da
mesma forma, as autoridades e poderosos entre os cristãos são instigados a
seguir o exemplo e, ao invés de fazer escravos, se humilhar e servir a todos em
amor, como Jesus fez. Jesus precedeu Lincoln e Wilberforce em dezoito
séculos! O Cristianismo não é apenas a
religião da negação à escravidão, mas também da inversão dos valores
corrompidos no mundo antigo: para Jesus, os “primeiros” serão os “últimos”, e
os “últimos” serão os “primeiros” (Mt.20:16). Jesus sempre fez questão de
colocar os primeiros por último, e os últimos por primeiro; ele abalou o poder
dos poderosos, e se colocou a favor dos pobres e oprimidos. Ele personificou
perfeitamente a oração de Maria:
“Ele realizou poderosos feitos com seu braço; dispersou os que
são soberbos no mais íntimo do coração. Derrubou governantes dos seus tronos,
mas exaltou os humildes. Encheu de coisas boas os famintos, mas despediu de
mãos vazias os ricos” (Lucas 1:51-53)
Jesus
também nunca deixou de curar os servos ou pobres – ao contrário, parece que ele
tinha uma missão específica voltada ao amparo deles. Ele curou o servo do
centurião, definindo-o como o homem de maior fé em Israel (Mt.8:5-10). Na
parábola do bom samaritano, ele rejeitou o levita e o sacerdote (altamente
considerados pelos judeus) para conceder a um simples samaritano – o povo mais
rejeitado e execrado por eles – a honra de ser o único bem representado na
parábola, que ajudou o próximo (Lc.10:30-37). Ele elogiou a oferta de uma
moedinha da viúva pobre, e rejeitou as grandes ofertas dos ricos (Lc.21:4). Ele
“sentia compaixão das multidões, porque estavam
aflitas e desamparadas, como ovelhas sem pastor” (Mt.9:36), e
multiplicou-lhes os pães e peixes (Mc.6:41-44). Ele também pedia que se
vendesse tudo e desse aos pobres (Lc.18:22-23), e tinha um fundo de onde tirava
recursos para ajudá-los (Jo.13:29).
Uma
das principais tônicas da missão de Jesus era justamente o fato de ele pregar
as boas novas aos pobres, ao invés de renegá-los e pregar somente às
autoridades e aos ricos, como era de costume. Este fato incomum foi registrado
nas seguintes palavras:
“Ide e anunciai as coisas que ouvis e vedes: Os cegos vêm, e os
coxos andam; os leprosos são limpos, e os surdos ouvem; os mortos são
ressuscitados, e aos pobres é anunciado
o evangelho” (Mateus 11:3-5)
Até
quando falava de salvação, Jesus se colocava a favor dos “pequeninos” e menos
favorecidos, quando disse que “o que vocês fizeram
a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram” (Mt.25:40). Junto a
isso, Jesus costumava ser rigoroso para com os altamente favorecidos naquela
sociedade. Os fariseus, que eram os mais respeitados pelo povo, eram
repetidamente criticados pela sua hipocrisia (Mt.23:29), e chamados de “serpentes” (Mt.23:33), “raça
de víboras” (Mt.23:33) e “sepulcros caiados”
(Mt.23:27). Sobre eles recaía o “sangue de
todo justo derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, até o de Zacarias” (Mt.23:35).
Mais
do que isso, ele próprio deu o exemplo e viveu de forma simples e humilde
enquanto esteve entre nós. Ele nasceu no lugar mais insignificante e
desprezível que aos olhos humanos alguém poderia nascer: uma manjedoura
(Lc.2:16). Cresceu como um mero carpinteiro (Mc.6:3), uma das profissões mais
baixas na Palestina. Viveu “pobre, por amor a nós” (2Co.8:9).
Não tinha nem onde reclinar a cabeça (Lc.9:58). Não veio para ser servido, mas “para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc.10:45).
Lavou os pés dos seus próprios discípulos, em um sinal de submissão e baixeza
naquela cultura, e nos admoestou a fazermos o mesmo uns com os outros
(Jo.13:4-15). Inverteu o paradigma de servo/senhor. Foi zombado, perseguido,
açoitado, torturado, pregado numa cruz, morto. “Humilhou-se
a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz” (Fp.2:8). Foi,
em todas as coisas, um perfeito exemplo de humildade, servidão e submissão, em
um contraste gritante com a pregação neo-ateísta que quer colocá-lo do lado do
sistema opressor da época e contra os menos favorecidos.
1.3 Os Apóstolos e a
Escravidão
Como
meros transmissores da mensagem de Jesus, é óbvio que os apóstolos também rejeitaram
moralmente a escravidão vigente no império romano. A escravidão era
repetidamente retratada como algo pejorativo do qual temos que buscar a
liberdade, e por essa razão servia bem para o propósito de justificar a
necessidade da liberdade da escravidão ao pecado, como vemos em textos como
Romanos 6:6-22. Paulo diz que “nós não recebemos um
espírito que nos escravize para novamente temermos, mas um Espírito que nos
torna filhos por adoção, por meio do qual clamamos: ‘Aba, Pai’”
(Rm.8:15). Assim, o Espírito Santo é visto como um agente de libertação.
Cristo
também é visto como um agente de liberdade da escravidão. Aos gálatas, Paulo
condena severamente aqueles “falsos irmãos que se
infiltraram em nosso meio para espionar a liberdade que temos em Cristo Jesus e
nos reduzir à escravidão” (Gl.2:4). Ele diz que “foi
para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl.5:1), a fim de que “permaneçam firmes e não se deixem submeter novamente a
um jugo de escravidão” (Gl.5:1). Alguns gálatas, antes de conhecerem a
Deus, “eram escravos daqueles que, por natureza,
não são deuses” (Gl.4:8), ou seja, eram escravos de homens. Quando
passaram a crer, Jesus os libertou. Mas agora estavam “voltando
novamente àqueles mesmos princípios elementares e sem poder, querendo ser escravizados
por eles outra vez” (Gl.4:9) – o que, para Paulo, era absurdo.
Aos
colossenses, o apóstolo também insistiu para terem “cuidado,
para que ninguém os escravize a
filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições e nos princípios
elementares deste mundo, e não em Cristo” (Cl.2:8). Ele ensina que
chegará o dia em que “a própria natureza criada
será libertada da escravidão da decadência em que se encontra, recebendo a
gloriosa liberdade dos filhos de Deus” (Rm.8:21). Em todo o tempo, vemos
a escravidão sendo aplicada em sentido espiritual como sendo algo negativo, do
qual os crentes têm que buscar liberdade através de Cristo e do Espírito Santo.
Os apóstolos não viam a escravidão como um olhar impassivo!
Paulo
diz que “aquele que, sendo escravo, foi chamado
pelo Senhor, é liberto e pertence ao Senhor; semelhantemente, aquele que era
livre quando foi chamado, é escravo de Cristo” (1Co.7:22). “Liberdade” e
“escravidão” atuam juntas, mas em sentidos distintos. Quem é escravo (em
sentido natural) é liberto (em sentido espiritual), e quem é livre (em sentido
natural) é escravo (em sentido espiritual). Nota-se aqui o tom de igualdade
espiritual entre o escravo e o livre: ambos são um em Cristo, fazem parte do
mesmo Corpo místico (1Co.12:27), o que é tornado ainda mais claro nas seguintes
passagens:
“Pois em um só corpo todos nós fomos batizados em um único
Espírito: quer judeus, quer gregos, quer
escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um único Espírito”
(1ª Coríntios 12:13)
“Não há judeu nem grego, escravo
nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus”
(Gálatas 3:28)
“Nessa nova vida já não
há diferença entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro e
cita, escravo e livre, mas Cristo é
tudo e está em todos” (Colossenses 3:11)
Essa
unidade espiritual e igualdade entre o livre e o escravo é sem igual no mundo
antigo. Aristóteles dizia que “o escravo é um
objeto de propriedade animado”, só um pouco mais valioso do que os “objetos de propriedade inanimados”[35], como o timão de um
navio. Basicamente, excetuando o fato de um escravo ter uma psiquê, ele era visto como equivalente
aos objetos utilizados para o benefício do homem. O filósofo grego definia
“escravo” da seguinte maneira:
“Um ser que, por natureza, não pertence a si mesmo, mas a um
outro, mesmo sendo homem, este é, por natureza, um escravo. Pertence a um outro
que, mesmo sendo homem, é objeto de propriedade e instrumento ordenado à ação e
separado”[36]
Ou
então veja o valor dado ao escravo nesta outra citação de Aristóteles:
“Escravos e homens livres são tão diferentes entre si quanto a
alma é do corpo, ou o homem é dos animais. Se seu trabalho é o uso do corpo, e
isso é o melhor que pode vir deles, são escravos por natureza”[37]
Dinesh
D’Souza assim se refere ao valor da vida humana em geral na Grécia antiga e em
Roma:
“Na era pré-cristã de Grécia e Roma, na era Clássica antiga, a
vida humana não era nem um pouco dignificada. Os espartanos pegavam seu sexto
filho e o deixavam nas colinas, para achá-lo morto na manhã seguinte. No
inverno. E esse nem era um grande escândalo. Os grandes filósofos da Grécia
antiga, Platão, Aristóteles, Sócrates, sabiam disso mas não davam importância.
Para eles não era relevante. Por quê? Porque a ideia de que a vida humana é
especial, preciosa ou ‘sagrada’ veio com Jesus, com o Cristianismo”[38]
Os
únicos que chegavam mais próximo do conceito cristão sobre a igualdade entre o
homem livre e o escravo eram os estóicos, mas mesmo assim eles não faziam a
mínima questão de levá-lo à prática na vida política, mesmo tendo poder e
possibilidade para tal. O Cristianismo foi, verdadeiramente, um marco
histórico, e isso não poderia ter acontecido sem o fundamento da igualdade e
fraternidade entre todos os seres humanos, tão respaldado por Paulo. Por isso
não é sem razão que P. T. O'Brien diz que “a
exortação de Paulo era ultrajante para os seus dias”[39].
O
apóstolo levava a sério o conceito cristão de igualdade entre livres e
escravos, de tal forma que, mesmo sendo livre, se dispunha a se fazer “escravo”
de todos, para o bem deles:
“Porque, embora seja livre de todos, fiz-me escravo de todos,
para ganhar o maior número possível de pessoas” (1ª Coríntios
9:19)
“Mas não pregamos a nós mesmos, mas a Jesus Cristo, o Senhor, e
a nós como escravos de vocês, por causa de Jesus” (2ª Coríntios
4:5)
Há
textos onde Paulo combate mais diretamente a escravidão. Em 1ª Coríntios
7:21-22, ele diz aos escravos:
“Foi você chamado sendo escravo? Não se incomode com isso. Mas,
se você puder conseguir a liberdade, consiga-a. Vocês foram comprados por alto
preço; não se tornem escravos de homens”
(1ª Coríntios 7:21-22)
Aqui
fica claro o conceito tão negativo que Paulo tinha sobre se tornar escravo de
homens – algo que ele pregava em contrário. Em 2ª Coríntios 11:20, o apóstolo
novamente se coloca contra a exploração e escravidão, repreendendo aqueles que
permitam a escravidão no meio cristão:
“Vocês, por serem tão sábios, suportam de boa vontade os
insensatos! De fato, vocês suportam até quem os escraviza ou os explora, ou
quem se exalta ou lhes fere a face!” (2ª Coríntios 11:19-20)
A
Bíblia é tão revolucionária na questão da escravidão que é o único livro antigo que possui uma carta inteira dedicada a
interceder por um escravo. Paulo, um homem livre, poderia muito bem não se
importar com os escravos caso ele não quisesse (algo que soaria tão natural
para aquele tempo), mas fez questão de escrever uma carta inteira a Filemom,
cujo único objetivo e propósito era interceder pela vida de um escravo
fugitivo, chamado Onésimo. Este escravo corria sério risco de vida, pois a lei
romana previa pena de morte para um escravo que incorresse em tamanho ato de
desobediência. Bastaria a Filemom exigir o cumprimento da lei, e Onésimo
estaria morto. Mas Paulo interveio entre as partes e rogou pela vida do
escravo:
“Mesmo tendo em Cristo plena liberdade para mandar que você
cumpra o seu dever, prefiro fazer um apelo com base no amor. Eu, Paulo, já
velho, e agora também prisioneiro de Cristo Jesus, apelo em favor de meu filho
Onésimo, que gerei enquanto estava preso. Ele antes lhe era inútil, mas agora é
útil, tanto para você quanto para mim. Mando-o de volta a você, como se fosse o
meu próprio coração. Gostaria de mantê-lo comigo para que me ajudasse em seu
lugar enquanto estou preso por causa do evangelho. Mas não quis fazer nada sem
a sua permissão, para que qualquer favor que você fizer seja espontâneo, e não
forçado. Talvez ele tenha sido separado de você por algum tempo, para que você
o tivesse de volta para sempre, não mais como escravo, mas, acima de escravo,
como irmão amado. Para mim ele é um irmão muito amado, e ainda mais para você,
tanto como pessoa quanto como cristão. Assim, se você me considera companheiro
na fé, receba-o como se estivesse recebendo a mim. Se ele o prejudicou em algo ou lhe deve alguma coisa, ponha na minha
conta. Eu, Paulo, escrevo de próprio punho: Eu pagarei – para não dizer que
você me deve a sua própria pessoa” (Filemom 1:8-19)
Escrever
uma carta inteira intercedendo por alguém que era tão pouco estimado naquela
época é algo sem paralelo na história antiga. E Paulo não apenas intercedeu
pela vida de Filemom, como foi além e se prontificou a pagar do seu próprio
bolso por todas as perdas financeiras causadas pela fuga do escravo! Em meu
livro “Deus é um Delírio?”, eu comentei este evento nestas palavras:
“Pense nisso: quem, em uma época onde o escravo não era tratado
nem como gente, iria escrever uma carta inteira rogando pela vida de um
escravo, iria correr o risco de ser condenado como cúmplice do crime por ter
ajudado o escravo que de alguma forma o encontrou e foi ajudado por ele, e
ainda por cima iria arcar do seu próprio bolso com todos os prejuízos
financeiros causados pelo escravo pelo tempo em que estava foragido? Quem iria
perder seu tempo, arriscar sua vida e perder seu dinheiro por alguém, a não ser
que este alguém (o escravo) fosse valorizado por ele?”[40]
É
de se destacar ainda que o tráfico de escravos estava incluído na lista de
pecados mortais citados por Paulo em 1ª Timóteo 1:9-10:
“Também sabemos que ela não é feita para os justos, mas para os
transgressores e insubordinados, para os ímpios e pecadores, para os profanos e
irreverentes, para os que matam pai e mãe, para os homicidas, para os que
praticam imoralidade sexual e os homossexuais, para os sequestradores, para os mentirosos e os que juram
falsamente; e para todo aquele que se opõe à sã doutrina”
(1ª Timóteo 1:9-10)
A
palavra aqui traduzida por “sequestradores” é no grego ανδραποδιστης
(transliterado como andrapodistes),
que, de acordo com a Concordância de Strong, significa:
405 ανδραποδιστης andrapodistes
de
um derivado de um composto de 435 e 4228; n m
1) traficante de
escravos, seqüestrador, ladrão.
1a) de alguém que
injustamente reduz homens livres à escravidão.
1b) de alguém que
rouba os escravos de outros e vende-os.
O
léxico da mesma concordância define como sendo “um
escravizador”[41], ao passo em que William
Arndt e F.W. Gingrich, em seu léxico do Novo Testamento, definem como sendo um “comerciante de escravos”[42].
Vale
lembrar também que uma das razões para a condenação da “Babilônia” no
Apocalipse era precisamente o fato de ela vender “corpos e almas de seres
humanos”:
“Amedrontados por causa do tormento dela, ficarão de longe e
gritarão: ‘Ai! A grande cidade! Babilônia, cidade poderosa! Em apenas uma hora
chegou a sua condenação!’ ‘Os negociantes da terra chorarão e se lamentarão por
causa dela, porque ninguém mais compra a
sua mercadoria: artigos como ouro, prata, pedras preciosas e pérolas; linho
fino, púrpura, seda e tecido vermelho; todo tipo de madeira de cedro e peças de
marfim, madeira preciosa, bronze, ferro e mármore; canela e outras especiarias,
incenso, mirra e perfumes, vinho e azeite de oliva; farinha fina e trigo, bois
e ovelhas, cavalos e carruagens, e corpos
e almas de seres humanos” (Apocalipse 18:10-13)
Como
vemos, a Babilônia é julgada e condenada em função do fato de ter tratado seres
humanos como carga, praticando o tráfico de escravos e lucrando com isso.
Por
fim, cabe ressaltar que a própria moral cristã expressa por meio de princípios
eternos refutava a escravidão, mesmo quando isso não era feito de forma mais
direta ou enfática. Herb Vander Lugt discorreu muito bem sobre isso quando
disse:
“Jesus e os apóstolos não se lançaram a uma cruzada anti-escravidão,
porque isso teria sido inútil e um empecilho à sua missão principal. A
prioridade de Jesus foi a oferta de salvação. Para os apóstolos, foi a
proclamação do evangelho. Mas ambos, Jesus e os apóstolos, minaram as bases da
escravidão, tornando claro que Deus ama igualmente ricos e pobres, livres e
escravos, homens e mulheres. Os apóstolos também acolheram na Igreja e deram
status igual a todos os que creram, independentemente de raça, sexo,
nacionalidade ou posição social”[43]
Assim,
Jesus e os apóstolos condenaram a escravidão mesmo quando não trataram deste
assunto mais especificamente, pois a própria mensagem central do evangelho
destrói as bases nas quais a escravidão histórica está estabelecida, ou seja, o
racismo, o trato desigual e a suposta inferioridade de certos seres humanos.
1.4 Textos sobre boa
conduta dos escravos
Alguns
neo-ateus tiram do contexto certos textos que não tratam da natureza (moral ou imoral) da escravidão
em si, mas sim sobre a conduta que um
escravo deveria ter em meio a esta condição, para tentar passar a noção
deturpada de que os apóstolos eram favoráveis à escravidão. Acompanhe os
seguintes textos que tem todos a mesma mensagem central:
“Escravos, obedeçam a seus senhores terrenos com respeito e
temor, com sinceridade de coração, como a Cristo. Obedeçam-lhes, não apenas
para agradá-los quando eles os observam, mas como escravos de Cristo, fazendo
de coração a vontade de Deus. Sirvam aos seus senhores de boa vontade, como ao
Senhor, e não aos homens, porque vocês sabem que o Senhor recompensará a cada
um pelo bem que praticar, seja escravo, seja livre. Vocês, senhores, tratem
seus escravos da mesma forma. Não os ameacem, uma vez que vocês sabem que o
Senhor deles e de vocês está nos céus, e ele não faz diferença entre as
pessoas”
(Efésios 6:5-9)
“Escravos, obedeçam em tudo a seus senhores terrenos, não
somente para agradá-los quando eles estão observando, mas com sinceridade de
coração, pelo fato de vocês temerem o Senhor” (Colossenses
3:22)
“Senhores, dêem aos seus escravos o que é justo e direito,
sabendo que vocês também têm um Senhor nos céus” (Colossenses 4:1)
“Todos os que estão sob o jugo da escravidão devem considerar
seus senhores como dignos de todo o respeito, para que o nome de Deus e o nosso
ensino não sejam blasfemados” (1ª Timóteo 6:1)
“Ensine os escravos a se submeterem em tudo a seus senhores, a
procurarem agradá-los, a não serem respondões e a não roubá-los, mas a
mostrarem que são inteiramente dignos de confiança, para que assim tornem
atraente, em tudo, o ensino de Deus, nosso Salvador”
(Tito 2:9-10)
“Escravos, sujeitem-se a seus senhores com todo o respeito, não
apenas aos bons e amáveis, mas também aos maus” (1ª Pedro 2:18)
Após
citar algumas dessas passagens, Sam Harris conclui:
“Deve ficar bem claro a partir dessas passagens que, embora os
abolicionistas do século XIX estivessem moralmente certos, estavam do lado
perdedor da discussão teológica”[44]
Ainda
que Harris tente demonstrar habilidades teológicas, ele falha em concluir a
partir destes textos que Paulo era a favor da escravidão. Como Thompson
corretamente observou:
“A Igreja nasceu em um mundo social secular já existente. Então,
quando Paulo exorta os escravos dentro do sistema romano a se comportar, ele
não está promovendo ou defendendo a situação em que estavam, mas estava
promovendo uma boa conduta enquanto esta situação existia (...) Os incrédulos
simplesmente assumem que Paulo apoiou a escravidão, quando na verdade ele
estava incentivando a boa conduta no contexto de um sistema social já existente”[45]
Os
conselhos que os apóstolos davam aos escravos não tinham qualquer relação com
uma suposta apologia à escravidão, mas eram simplesmente sugestões sobre como
eles poderiam lidar em meio àquela realidade, ou seja, como poderiam viver de
uma forma cristã e moral, mesmo em meio às adversidades que enfrentavam a cada
dia. Como os apóstolos não tinham absolutamente nenhum poder político para
poder mudar algo na prática em relação ao sistema escravocrata, pelo menos
podiam apelar à boa conduta de ambas as partes envolvidas naquele sistema
vigente.
Fazendo
uma analogia, seria como se eu dissesse que “se beber, não dirija”. Isso não
significa que eu seja a favor da bebedeira, mas sim que eu sou a favor de não
dirigir se já bebeu. Semelhantemente, quando os apóstolos insistiam para que os
escravos honrassem seus senhores, eles não estavam sendo a favor da escravidão
em si, mas, como ela já existia e não tinha como mudar isso, então que pelo
menos eles tratassem bem seus senhores, pois desta forma estariam cumprindo a
moral cristã, agradando a Deus e evitando punições do próprio senhor a quem
serve.
Dizer
para os senhores de escravos libertarem seus escravos seria inútil dada as
circunstâncias do mundo na época. Os escravos libertos simplesmente não teriam
lugar nenhum para onde ir. Acabariam abandonados na rua, onde ficariam
mendigando ou morrendo de fome. Isso seria muito pior para o próprio escravo.
Eles não teriam propriedade para morar, nem condições básicas de sobrevivência.
Todo o mundo da época funcionava na base do sistema de senhores e escravos. Por
isso, a recomendação era para que os senhores tratassem os escravos da melhor
forma possível, não como um escravo, mas como um irmão em Cristo; não como um
inferior, mas como um igual; não como a cruel escravidão romana, mas aos moldes
dos bons tratos da lei mosaica; não através de castigos físicos, mas praticando
o amor.
Da
mesma forma, pregar uma “revolução” aos escravos seria uma total insanidade e
irresponsabilidade da parte de Paulo, se ele fizesse isso. Menos de um século
antes das cartas de Paulo, os escravos envolvidos na revolta de Espártaco
(73-71 a.C) foram massacrados pelas forças romanas, muito mais bem treinadas e
preparadas. Pipe Desertor fez uma excelente sátira de como Paulo deveria ter
feito caso quisesse levar a ideia neo-ateísta em diante. Ele teria dito:
“Rebelem-se! Não os sirvam! Não se sujeitem! Não esperem ser
livres pela lei romana. Libertem-se por si mesmos! Se forem obrigados a servir,
sirvam com amargura e ódio aos seus senhores! Os odeiem! Não os honrem de
maneira nenhuma!”[46]
O
que ocorreria caso os escravos seguissem tal conselho? Pipe conclui que seriam
todos executados ou presos. É por isso que Paulo, mesmo sendo moralmente contra
a escravidão e crendo na igualdade espiritual de todos os homens, tinha que
pensar e agir com sabedoria em um contexto que lhe era totalmente desfavorável,
e onde cada palavra errada poderia redundar em acontecimentos trágicos – como
um banho de sangue que resultaria de uma revolta de escravos rebelados que não
teriam a mínima chance contra as poderosas legiões romanas. E Paulo seria o
responsável direto por essas mortes, o que se choca claramente com a moral
cristã.
1.5 Conclusão
O
Novo Testamento é claramente contrário à escravidão, o que não significa ir
para o outro extremo e pregar a “revolução” pela espada, o que naquelas
circunstâncias serviria apenas para provocar carnificina e um verdadeiro
massacre de todos os escravos. A fé cristã é contra a escravidão, mas não é a
favor da loucura e nem do genocídio. A verdadeira revolução viria quando os
cristãos regenerados e bem intencionados tivessem poder político suficiente
para reverter esta condição por meios viáveis, após refletirem consigo mesmos
sobre a doutrina e a moral das Escrituras.
Paz
a todos vocês que estão em Cristo.
[1] Disponível em: https://answersingenesis.org
[2] REDIKER, Marcus. O
Navio Negreiro. Ed. Companhia das Letras: 201.1
[3] DEMAR, Gary. A
Bíblia apoia a escravidão? Disponível em:
http://www.monergismo.com/textos/etica_crista/biblia-defende-escravidao_GaryMar.pdf>.
Acesso
em: 03/07/2015.
[4] BUTT, Kyle. The Bible and Slavery. Disponível
em: <http://www.apologeticspress.org/apcontent.aspx?category=11&article=1587>.
Acesso em: 12/07/2015.
[5] John Goldingay, Old Testament Theology, Vol. 3,
[Intervarsity, 2009], p. 460.
[6] THOMPSON, Keith.
The Bible and Slavery: Answering “Atheists”. Disponível em: <http://www.reformedapologeticsministries.com/2015/01/the-bible-and-slavery-answering-atheists.html>.
Acesso em 20/06/2015.
[7] DEMAR, Gary. A
Bíblia apoia a escravidão? Disponível em:
<http://www.monergismo.com/textos/etica_crista/biblia-defende-escravidao_GaryMar.pdf>.
Acesso em: 03/07/2015.
[8] ROCHFORD, James M. The Bible and Slavery. Disponível
em:
<http://www.evidenceunseen.com/articles/the-goodness-of-god/the-bible-and-slavery/>.
Acesso em: 12/07/2015.
[9] ROCHFORD, James M. The Bible and Slavery. Disponível
em: <http://www.evidenceunseen.com/articles/the-goodness-of-god/the-bible-and-slavery/>.
Acesso em: 12/07/2015.
[10] THOMPSON, Keith.
The Bible and Slavery: Answering “Atheists”. Disponível em:
<http://www.reformedapologeticsministries.com/2015/01/the-bible-and-slavery-answering-atheists.html>.
Acesso
em 20/06/2015.
[11] American Tract
Society Bible Dictionary, disponível online em:
<http://www.cacp.org.br/o-que-diz-a-biblia-sobre-a-escravidao/>. Acesso em: 04/07/2015.
[12] A escravidão por dívida difere-se deste outro tipo de
escravidão (que é aqui proibida), uma vez que ela não implica em “comprar”
alguém, mas o próprio servo é que voluntariamente trabalha para o seu senhor a
fim de quitar a dívida contraída.
[13] SWARTLEY, Willard, M. Slavery, Sabbath, War, and Women.
Scottdale, PA: Herald Press, 1983, p. 42.
[14]
Nota-se que em nenhuma outra nação além de Israel havia uma lei assim. Ao
contrário: quando os filisteus capturaram Sansão, lhes furaram os olhos
(Jz.16:21), assim como os babilônicos fizeram com Zedequias (2Rs.25:7). Somente
os hebreus proibiam atitudes como essa e ordenavam libertar um escravo quando o
mesmo era ferido pelo patrão.
[15] KAISER, W. C., Jr. The Expositor’s Bible Commentary, Vol.
2: Genesis, Exodus, Leviticus, Numbers (F. E. Gaebelein, Ed.). Grand Rapids,
MI: Zondervan Publishing House: 1990, p. 433.
[16]ROCHFORD, James M. The Bible and Slavery. Disponível
em:
<http://www.evidenceunseen.com/articles/the-goodness-of-god/the-bible-and-slavery/>.
Acesso em: 12/07/2015.
[17] WENHAM, John William. The Goodness of God. Downers Grove, IL:
InterVarsity, 1974, p. 96.
[18] THOMPSON, Keith.
The Bible and Slavery: Answering “Atheists”. Disponível em: <http://www.reformedapologeticsministries.com/2015/01/the-bible-and-slavery-answering-atheists.html>.
Acesso em 20/06/2015.
[19] Há um texto análogo a este tratando do mesmo assunto
em Êxodo 22:16-17, que não fala de “tomar” a moça, mas de “seduzi-la”, o que
mostra que na ocasião específica de Deuteronômio 22:28-29 não está em jogo um
estupro propriamente dito, mas sim um ato sexual consentido por uma moça que
foi seduzida e levada ao mau caminho. O próprio texto de Deuteronômio 22:28
deixa isso implícito ao dizer que “eles
foram apanhados” (em flagrante), e não que apenas o homem foi “apanhado” (o que
implica que a mulher também estava sob peso de culpa no caso).
[20] COPAN, Paul. Is God a Moral Monster? Baker Books: 2011, p. 125.
[21] A
“Almeida Corrigida, Revisada e Fiel” traduz por: “então serão açoitados”, assim
como a “Almeida Revista e Atualizada”. Já a “Almeida Revisada Imprensa Bíblica”
traduz por: “ambos serão açoitados”, assim como faz a “Almeida Atualizada” e
também a versão original de João Ferreira de Almeida.
[22] A
versão “Ave Maria” traduz por: “serão ambos castigados”. A versão da CNBB diz
somente que “haverá indenização”. A Bíblia de Jerusalém, de modo mais
interessante, traduz assim: “o primeiro está sujeito a uma multa, mas não serão
mortos” (dando a entender, portanto, que somente o homem é punido!).
[23] DAWKINS, Richard. Deus,
um Delírio. Companhia das Letras: 2007.
[24] BANZOLI, Lucas. Deus
é um Delírio? Vol. 2. Clube dos Autores: 2015, p. 172.
[25] Em meu livro “Deus é um Delírio?”, eu citei vários
trechos do Código de Hamurabi em comparação com a lei de Moisés, sob os mais
diversos pontos morais, demonstrando que a lei de Moisés era enormemente mais
flexível e tênue. Aqui eu não citarei todos os pontos, uma vez que o propósito
desta obra é focar no tema da escravidão, e não em todos os termos morais da
lei. Para quem quiser uma consulta mais aprofundada, portanto, veja em:
BANZOLI, Lucas. Deus é um Delírio? Vol.
2. Clube dos Autores: 2015, p. 139-148.
[26] O Código de Hamurabi pode ser conferido em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/hamurabi.htm> . Acesso em:
15/01/2015.
[27] COPAN, Paul. Is God a Moral Monster? Baker Books: 2011, p. 151.
[28] SARAIVA, Ivan. Está
Escrito Série: E se Jesus não tivesse nascido? - Jesus e os Escravos.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ZDAEnUu_57g>. Acesso em:
05/01/2015.
[29] Walter Kaiser, Exodus, ed. Frank E. Gaebelein, The Expositor’s Bible Commentary, Vol.
2. Zondervan: 1990, p. 433.
[30] COPAN, Paul. Is God a Moral Monster? Baker Books: 2011, p. 134
[31] Muhammad A. Dandamayev, Anchor Bible Dictionary, vol. 6, ed.
David Noel Freedman. Doubleday: 1992, p. 65.
[32] THOMPSON, Keith.
The Bible and Slavery: Answering “Atheists”. Disponível em:
<http://www.reformedapologeticsministries.com/2015/01/the-bible-and-slavery-answering-atheists.html>.
Acesso em 20/06/2015.
[33] “Brasileiro trabalha 151 dias para pagar imposto, que
come 41,4% do salário”. Disponível em:
<http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/05/21/brasileiro-trabalha-151-dias-para-pagar-imposto-que-come-414-do-salario.htm>.
Acesso em: 20/12/2014.
[34]
HARRIS, Sam. Carta a uma nação cristã. Companhia
das Letras: 2007.
[35]
Aristóteles, Política, Livro I, 4.
[36]
Aristóteles, Política, Livro I, 5.
[37]
ibid.
[38]
D’SOUZA, Dinesh. Em palestra sobre o neo-ateísmo. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=-Z4Bq2t4tx0>. Acesso em: 21/01/2015.
[39] P. T. O’Brien, The Letter to the Ephesians, Pillar Commentary. Grand
Rapids: Eerdmans, 1999, p. 454.
[40] BANZOLI, Lucas. Deus
é um Delírio? Vol. 2. Clube dos Autores: 2015, p. 202.
[41]
Léxico da Concordância de Strong, 405.
[42] Arndt, William and F.W. Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament
and Other Early Christian Literature. University of Chicago Press: 1967, p.
63.
[43] Vander Lugt, Herb (1999), What Does the Bible Really Say about
Slavery? Grand Rapids, MI: RBC Ministries: 1999, p. 26.
[44]
HARRIS, Sam. Carta a uma nação cristã. Companhia
das Letras: 2007
[45] THOMPSON, Keith. The Bible and Slavery:
Answering “Atheists”. Disponível em:
<http://www.reformedapologeticsministries.com/2015/01/the-bible-and-slavery-answering-atheists.html>.
Acesso em 20/06/2015.
[46]
DESERTOR, Pipe. Deus aprova a escravidão?
Disponível em:
<http://www.dc.golgota.org/contradicoes/genesis/genesis35.html>. Acesso
em: 12/12/2014.
Seu artigo me lembrou o pastor Robert Dabney, da Virginia. Voce usou alguma obra deste?
ResponderExcluirOlá, eu não conheço o pastor Robert Dabney, você poderia me passar o artigo dele onde ele fala sobre esse tema? Qualquer referência a mais é sempre útil. Abraços.
ExcluirHá o livro dele "in defense of Virginia" e suas cartas e sermões onde ele atacava o governo estadunidese pregando a secessão do sul. Acho que os trabalhos dele estão disponiveis no archive.org.
ResponderExcluirObrigado, vou conferir.
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