Neste artigo, o filósofo cristão
Dr. William Lane Craig apresenta uma versão do argumento cosmológico em favor
da existência de Deus. Com base em dois argumentos filosóficos e duas
confirmações científicas ele demonstra que é plausível que o universo teve um
começo. Como tudo o que começa a existir tem uma causa, deve haver uma causa
transcendente para o universo. Dr. William Lane Craig possui doutorados pela
Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e pela Universidade de Munique, na
Alemanha.
INTRODUÇÃO
“A
primeira questão que certamente deve ser perguntada”, escreveu G.W.F.
Leibiniz, é “por que existe algo em vez de nada?”.
Esta questão parece ter uma força existencial profunda, que tem sido percebida
por alguns dos maiores pensadores da humanidade. De acordo com Aristóteles, a
filosofia começa com um senso de assombro sobre o mundo, e a mais profunda
questão que um homem pode fazer relaciona-se com a origem do universo. Em sua
biografia de Ludwig Wittgenstein, Norman Malcolm relata que Wittgenstein disse
que algumas vezes ele teve certa experiência que poderia ser mais bem descrita
dizendo-se que “quando a tenho, eu fico assombrado
com a existência do mundo. Então sou inclinado a usar frases como ‘Quão
extraordinário é que algo deva existir’”. Similarmente, um filósofo
contemporâneo observa, “… Minha mente muitas vezes
revira-se diante do imenso significado que esta questão tem para mim. Que algo
exista de alguma forma parece-me um assunto para o mais profundo temor”.
Por que existe algo em vez de
nada? Leibiniz respondeu esta questão argumentando que algo existe em vez de
nada porque existe um ser necessário que carrega consigo sua razão para a
existência e é a razão suficiente para a existência de todo ser contingente.
Embora Leibiniz (seguido por
certos filósofos contemporâneos) tenha considerado a inexistência de um ser
necessário como logicamente impossível, uma explicação mais modesta da necessidade
da existência chamada de “necessidade factual” foi fornecida por John Hick: um
ser necessário é um ser eterno, não-causado, indestrutível e incorruptível.
Leibiniz, é claro, identificou o ser necessário como Deus. Seus críticos,
entretanto, contestaram esta identificação, sustentando que o universo material
poderia ele mesmo receber o status de um ser necessário. “Por que”, perguntou Hume, “não poderia o universo material ser o Ente necessário, de acordo com
esta pretensa explicação de necessidade?”.
Tipicamente, esta tem sido
precisamente a posição do ateu. Os ateus não se sentiram compelidos a abraçar a
visão de que o universo veio a existir do nada sem nenhuma razão; ao invés
disso, eles consideraram o universo mesmo como um tipo de ser factualmente
necessário: o universo é eterno, não-causado, indestrutível e incorruptível.
Como Russel claramente colocou, “…o universo está
aí, e isto é tudo”.
Será que o argumento de Leibniz
nos deixa, portanto, em um impasse racional ou será que não existem mais recursos
disponíveis para desvendar o mistério da existência do mundo? Parece-me que
existem. É lembrado que uma propriedade essencial de um ser necessário é a
eternidade. Se, então, puder se demonstrar plausível que o universo começou a
existir e, portanto, não é eterno, até este ponto poder-se-ia demonstrar a
superioridade do teísmo como uma cosmovisão racional.
Assim, há uma forma do argumento
cosmológico muito negligenciada hoje, mas de grande importância histórica, que
objetiva precisamente demonstrar que o universo teve um início no tempo.
Originada dos esforços dos teólogos cristãos para refutar a doutrina Grega da
eternidade da matéria, este argumento desenvolveu-se em formulações
sofisticadas através de teólogos Judeus e Islâmicos, que, em seguida,
transmitiram-no de volta ao Ocidente Latino. O argumento, portanto, tem um
vasto apelo inter-sectário, tendo sido defendido por Muçulmanos, Judeus e
Cristãos, tanto Católicos como Protestantes.
O argumento, que denominei como
argumento cosmológico de kalam, pode
ser demonstrado como se segue:
1. Tudo que começa a existir tem uma causa
para
sua existência.
2. O universo começou a existir.
2.1 Argumento baseado na impossibilidade de
um infinito real.
2.11 Um infinito real não pode
existir.
2.12 Um regresso temporal infinito de
eventos é um infinito real.
2.13 Portanto, um regresso temporal
infinito de eventos não pode
existir.
2.2
Argumento baseado na impossibilidade da
formação de um infinito real pela
adição
sucessiva.
2.21 Uma coleção formada por
sucessivas
adições não pode ser realmente
infinita.
2.22 A série temporal de eventos
passados
é uma coleção formada por
sucessivas
adições.
2.23 Portanto, uma série temporal de
eventos passados não pode ser
realmente infinita.
3. Portanto, o universo tem uma causa para
a sua
existência.
Vamos examinar este argumento
mais de perto.
SEGUNDA PREMISSA
Claramente, a premissa crucial
neste argumento é (2), e dois argumentos independentes são oferecidos em
suporte dele. Vamos, então, passar a examinar os argumentos que o amparam.
PRIMEIRO ARGUMENTO DE SUPORTE
Para se entender (2.1),
precisamos entender a diferença entre um infinito potencial e um infinito real.
Grosso modo, um infinito potencial é uma coleção que cresce em direção ao
infinito como limite, mas nunca chega lá. Tal coleção é realmente indefinida, não
infinita. O símbolo para este tipo de infinito, que é usado em cálculo é ∞. Um
infinito real é uma coleção em que o número de membros realmente é infinito.
A coleção não está crescendo em
direção ao infinito, ela é infinita, ela é “completa”. O símbolo para este tipo
de infinito, que é usado na teoria dos conjuntos para designar conjuntos que
possuem um número infinito de membros, tais como {1,2,3,…}, é . Ora, (2.11)
sustenta, não que um número infinito potencial não possa existir, mas que um
número infinito real de coisas não pode existir. Pois se um número real de
coisas pode existir, então isto geraria todo tipo de absurdos.
Talvez a melhor maneira de
trazer à tona a verdade de (2.11) é através de uma ilustração. Deixe-me usar
uma de minhas favoritas, o Hotel de Hilbert, um produto da mente do grande
matemático alemão, David Hilbert. Vamos imaginar um hotel com um número finito
de quartos. Suponha, além disso, que todos os quartos estão ocupados. Quando um
novo hóspede chega pedindo por um quarto, o proprietário se desculpa, “Sinto
muito, todos os quartos estão ocupados”. Mas vamos imaginar um hotel com um
número infinito de quartos e suponha mais uma vez que todos os quartos estão
ocupados. Não há um simples quarto vago em todo o hotel infinito. Deste modo,
suponha que um novo hóspede apareça pedindo por um quarto. “Mas é claro!” diz o
proprietário, e ele imediatamente transfere a pessoa do quarto número 1 para o
quarto número 2, a pessoa do quarto número 2 para o quarto número 3, a pessoa
do quarto número 3 para o número 4, e assim por diante até o infinito.
Como resultado desta mudança de
quartos, o quarto número 1 agora se tornou vago e o novo hóspede faz o check-in
com gratidão. Mas lembre-se, antes de ele ter chegado, todos os quartos estavam
ocupados! Igualmente curioso, de acordo com os matemáticos, não há agora mais
pessoas no hotel do que havia antes: o número é simplesmente infinito. Mas como
isso pode acontecer? O proprietário acabou de adicionar o nome do novo hóspede
no registro e deu-lhe suas chaves – como pode não haver mais uma pessoa no
hotel do que antes? Mas a situação se torna ainda mais estranha. Suponha que um
número infinito de novos hóspedes apareça no balcão pedindo por quartos. “É
claro, é claro!” diz o proprietário, e ele prossegue em mudar a pessoa do
quarto 1 para o quarto 2, a pessoa do quarto 2 para o quarto 4, a pessoa do
quarto 3 para o quarto 6, e assim por diante infinitamente, sempre colocando
cada ocupante original em um quarto cujo número seja o dobro do seu próprio.
Como resultado, todos os quartos
de número ímpar se tornarão vagos, e o número infinito de novos hóspedes é
facilmente acomodado. Ainda assim, antes de eles chegarem, todos os quartos
estavam ocupados! E novamente, de modo bastante estranho, o número de hóspedes
no hotel é o mesmo depois do número infinito de novos hóspedes terem feito check-in, ainda que tenha havido tantos
novos hóspedes quanto hóspedes antigos. De fato, o proprietário poderia repetir
este processo infinitas vezes e ainda
assim nunca haveria um único hóspede a mais no hotel do que antes.
Mas o Hotel de Hilbert é ainda
mais estranho do que o matemático alemão demonstrou ser. Suponha que alguns dos
hóspedes comecem a sair. Suponha que o hóspede no quarto 1 parta. Existe agora
uma pessoa a menos no hotel? Não de acordo com os matemáticos – mas
simplesmente pergunte para a mulher que arruma as camas! Suponha que os
hóspedes dos quartos 1,3,5,… partam. Neste caso, um número infinito de pessoas
deixou o hotel, mas de acordo com os matemáticos, não há menos pessoas no hotel
– mas não converse com a mulher da lavanderia! Na verdade, poderíamos fazer com
que cada hóspede saísse do hotel e repetir este processo infinitamente muitas
vezes, e ainda não haveria menos pessoas no hotel. Mas, em vez disso, suponha
que as pessoas dos quartos 4,5, 6,… partam.
Em uma simples tirada o hotel se
tornaria virtualmente vazio, o registro de hóspedes reduzido a três nomes, e o
infinito convertido em finitude. E mesmo assim continuaria sendo verdadeiro que
o mesmo número de hóspedes partiu desta vez como da vez em que os hóspedes dos
quartos 1,3,5,… partiram. Alguém pode acreditar sinceramente que tal hotel
possa existir realmente? Estes tipos de absurdos ilustram a impossibilidade da
existência de um número infinito real de coisas. Isto nos leva a (2.12). A
verdade desta premissa parece claramente óbvia. Se o universo nunca começou a
existir, então antes de agora houve um número infinito de eventos prévios.
Portanto, uma série de eventos sem começo no tempo implica a existência de um
número infinito real de coisas, ou seja, eventos passados.
Neste ponto pode ser proveitoso
considerar algumas objeções que podem ser levantadas contra o argumento.
Primeiro, vamos considerar as objeções a (2.11). Wallace Matson objeta que a
premissa deve significar que um número infinito real de coisas é logicamente impossível; mas que é fácil
mostrar que tal coleção é logicamente possível. Por exemplo, a série de números
negativos {…-3,-2,-1} é uma coleção infinita real sem um primeiro membro. O
erro de Matson está em pensar que (2.11) significa afirmar a impossibilidade lógica de um número infinito real de
coisas. O que a premissa expressa é a impossibilidade real ou factual de um
infinito real. Para ilustrar a diferença entre a possibilidade lógica e a real:
não há impossibilidade lógica de alguma coisa vir a existir sem uma causa, mas
tal circunstância pode muito bem ser impossível de modo real ou metafísico.
Da mesma forma, (2.11) declara
que os absurdos conseqüentes na existência real de um infinito real mostram que
tal existência é metafisicamente impossível. Portanto, alguém pode conceder que
na esfera conceitual da matemática seja possível, dadas certas convenções e
axiomas, falar consistentemente sobre séries infinitas de números, mas isto de
maneira alguma implica que um número infinito real de coisas seja realmente
possível. Pode-se notar também que a escola matemática de intuicionismo nega
até mesmo que a série de números seja realmente infinita (eles consideram-na potencialmente
infinita apenas), então apelar às séries de números como exemplos de infinitos
reais é um procedimento controverso.
O falecido J.L. Mackie também
objetou contra (2.11), declarando que os absurdos são resolvidos ao notar que
para conjuntos infinitos o axioma “o todo é maior que suas partes” não é
válido, como o é para conjuntos finitos. Similarmente, Quentin Smith comenta
que uma vez que entendemos que um conjunto infinito tem um subconjunto próprio
com o mesmo número de membros quanto o próprio conjunto, as situações
pretensamente absurdas tornam-se “perfeitamente críveis”. Mas penso que é
precisamente esta característica da teoria dos conjuntos infinitos que, quando
interpretada para a esfera do real, produz resultados que são perfeitamente inacreditáveis,
como por exemplo, o Hotel de Hilbert.
Além disso, nem todos os
absurdos derivam da negação pela teoria dos conjuntos infinitos do axioma de
Euclides: os absurdos ilustrados pela saída dos hóspedes do hotel derivam dos
resultados auto-contraditórios quando as operações inversas de subtração ou
divisão são realizadas utilizando-se números transfinitos. Aqui o problema
contra uma coleção infinita real de coisas torna-se decisiva.
Finalmente pode-se apontar a
objeção de Sorabji, que sustenta que as ilustrações como as do Hotel de Hilbert
não envolvem absurdos. Com o fim de se entender o que está errado com o
argumento de kalam, ele pede-nos para
imaginar duas colunas paralelas começando no mesmo ponto e expandindo-se na
distância infinita, uma coluna de anos passados e a outra coluna de dias
passados.
A razão por que a coluna de dias
passados não é maior do que a coluna de anos passados, diz Sorajbi, é que a
coluna de dias não irá “expandir-se” além do distante fim da outra coluna, já
que nenhuma das duas colunas possui um fim distante. No caso do Hotel de
Hilbert há a tentação de se pensar que algum residente infortunado no fim
distante irá cair no espaço. Mas não há fim distante: a linha de residentes não
irá se expandir além do fim distante da linha de quartos. Uma vez que isto é
compreendido, o produto é simplesmente uma verdade explicável - até mesmo
surpreendente e regozijante – sobre o infinito.
Ora, Sorajbi certamente está
correto, como vimos, em que o Hotel de Hilbert ilustra uma verdade explicável
sobre a natureza do infinito real. Se um número realmente infinito de coisas
pudesse existir, o Hotel de Hilbert seria possível. Mas Sorajbi parece falhar
em entender o ponto principal do paradoxo: eu, por exemplo, não vejo tentação
em pensar em pessoas caindo no fim distante do hotel, pois não há nenhum, mas
tenho dificuldades em acreditar que um hotel em que todos os quartos estão
ocupados possa acomodar mais hóspedes. É claro que a linha de hóspedes não irá
se expandir além da linha de quartos, mas se todos esses quartos infinitos já
possuem hóspedes neles, então será que mudar tais hóspedes de lugar pode
realmente criar quartos vagos?
A própria ilustração de Sorajbi
das colunas de anos passados e de dias passados não é menos inquietante para
mim: se dividirmos as colunas em segmentos do tamanho de um pé e marcarmos uma
coluna como os anos e a outra como os dias, então uma coluna é tão longa como a
outra e mesmo assim para cada segmento do tamanho de um pé na coluna de anos,
são encontrados 365 segmentos de tamanho igual na coluna de dias! Estes
resultados paradoxais podem ser evitados somente se as coleções de infinitos
reais puderem existir apenas na imaginação, e não na realidade. De qualquer
forma, a ilustração do Hotel de Hilbert não é exaurida por lidar apenas com a
adição de novos hóspedes, pois a subtração de hóspedes resulta em absurdos até
mesmo mais intratáveis. A análise de Sorajbi não faz nada para resolvê-las.
Portanto, parece-me que as objeções à premissa (2.11) são menos plausíveis do
que a premissa em si.
Com relação à (2.12), a objeção
mais freqüente é que o passado deve ser considerado como um infinito potencial
apenas, não como um infinito real. Esta foi a posição de Aquino contra
Bonaventure, e o filósofo contemporâneo Charles Hartshorne parece se alinhar
com Tomás neste ponto. Tal posição, entretanto, é insustentável. O futuro é
potencialmente infinito, já que ele não existe; mas o passado é real de um modo
que o futuro não é, como evidenciado no fato de que possuímos traços do passado
no presente, mas não traços do futuro. Portanto, se a série de eventos passados
nunca começou a existir, então deve ter havido um número infinito real de
eventos passados.
As objeções contra ambas as
premissas, portanto, parecem ser menos convincentes do que as premissas em si.
Juntas, elas implicam que o universo começou a existir. Portanto, eu concluo
que este argumento fornece bons fundamentos para aceitar a verdade da premissa
(2) que o universo começou a existir.
SEGUNDO ARGUMENTO DE SUPORTE
O segundo argumento (2.2) para o
início do universo é baseado na impossibilidade de se formar um infinito real
por adições sucessivas. Este argumento é distinto do primeiro no que ele não
nega a possibilidade da existência de um infinito real, mas a possibilidade de
este ser formado por adição
sucessiva.
A premissa (2.21) é o passo
crucial no argumento. Não se pode formar uma coleção infinita real de coisas
por se adicionar sucessivamente um membro depois do outro. Desde que é possível
sempre adicionar mais um antes de se chegar ao infinito, é impossível alcançar
o infinito real. Algumas vezes isto é chamado de impossibilidade de “contar ao infinito”
ou “atravessar o infinito”. É importante entender que esta impossibilidade não
tem nada a ver com a quantidade de tempo disponível: faz parte da natureza do
infinito que ele não pode ser assim formado.
Alguém pode dizer que enquanto
uma coleção infinita não pode ser formada ao começar por um ponto e depois
adicionar membros, todavia uma coleção infinita poderia ser formada sem nenhum
início, mas terminando em um ponto, ou seja, terminando em um ponto após um
membro após outro ter sido adicionado pela eternidade. Mas este método parece
até mais inacreditável do que o primeiro método. Se não é possível contar até o
infinito, então como é possível contar regressivamente do infinito? Se não é
possível atravessar o infinito pelo mover em uma direção, como seria possível
atravessá-lo pelo simples mover na direção oposta?
De fato, a idéia de uma série
sem começo terminando no presente parece absurda. Para dar apenas uma
ilustração: suponha que encontremos um homem que afirma ter contado através da
eternidade e agora está terminando: …, -3, -2, -1,0. Poderíamos perguntar por
que ele não terminou de contar ontem ou anteontem ou no ano passado? Até lá um
tempo infinito já teria se passado, então ele já deveria ter terminado naquele
tempo. Portanto, em nenhum ponto no passado infinito poderíamos encontrar o
homem terminando sua contagem, porque em tal ponto ele já deveria ter
terminado! De fato, não importa quão longe voltemos ao passado, nós nunca
poderemos encontrar o homem terminando a contagem, pois em qualquer ponto que o
alcançarmos ele já terá terminado. Mas se em nenhum ponto do passado podemos
encontrar ele contando [até o fim], isto contradiz a hipótese de que ele esteve
contando pela eternidade. Isto ilustra o fato de que a formação de um infinito real
por adição consecutiva é igualmente impossível se alguém o faz até ou do
infinito.
A premissa (2.22) pressupõe uma
visão dinâmica do tempo no qual os eventos são realizados de modo serial, um
depois do outro. A série de eventos não é um tipo de linha do mundo eternamente
subsistente que aparece sucessivamente na consciência. Ao invés disso,
tornar-se é real e essencial ao processo temporal. Esta visão do tempo não é
livre de desafios, mas considerar suas objeções nos levaria muito longe. No
momento, é preciso satisfazer-se com o fato de que estamos argumentando no
fundamento comum com nossas intuições ordinárias da transformação temporal e em
concordância com um bom número de filósofos contemporâneos do tempo e do
espaço.
Dadas as verdades de (2.21) e
(2.22), a conclusão (2.23) segue logicamente. Se o universo não começou a
existir em um tempo finito atrás, então o presente momento nunca poderia ter
chegado. Mas obviamente, ele chegou. Então, sabemos que o universo é finito no
passado e começou a existir.
Novamente, será proveitoso
considerar várias objeções que têm sido oferecidas contra este raciocínio.
Contra (2.21), Mackie objeta que o argumento assume indevidamente um ponto
inicial infinitamente distante no passado e então declara impossível viajar
daquele ponto até hoje. Mas não haveria um ponto inicial no passado infinito,
nem mesmo um infinitamente distante. Mesmo assim, de qualquer ponto no passado
infinito, há apenas uma distância finita até o presente.
Ora, parece-me que a alegação de
Mackie de que o argumento pressupõe um ponto inicial infinitamente distante é
inteiramente sem fundamento. A característica das séries não possuírem início
serve apenas para acentuar a dificuldade de serem formadas pela adição
cumulativa. O fato de não haver nenhum início, nem mesmo um infinitamente
distante, torna o problema mais, não menos, perturbador. E o ponto que em
qualquer momento do passado infinito possui apenas uma distância temporal
finita até o presente pode ser descartado como irrelevante. A questão não é
como qualquer porção finita das séries temporais pode ser formada, mas como
toda série infinita pode ser formada. Se Mackie pensa que porque cada segmento
das séries pode ser formado por adição cumulativa então toda a série inteira
pode ser formada, então ele está simplesmente cometendo a falácia da
composição.
Sorajbi similarmente objeta que
a razão porque é impossível contar regressivamente do infinito é porque contar
envolve por natureza pegar um número inicial, o que está faltando neste caso.
Mas completar um lapso infinito de anos não envolve nenhum ano inicial e,
portanto, é possível. Entretanto, esta resposta é claramente inadequada, pois,
como vimos, os anos de um passado infinito poderiam ser enumerados por números
negativos, que no caso de um número infinito completo de anos implica,
realmente, em uma contagem regressiva do infinito. Sorajbi, entretanto,
antecipa esta objeção e afirma que tal contagem regressiva é possível em
princípio e, portanto, nenhuma barreira lógica foi mostrada para o transcorrer
de um número infinito de anos passados. Entretanto, novamente, a questão que
estou colocando não é se existe uma contradição lógica em tal pensamento, mas
se tal contagem não é metafisicamente absurda.
Pois vimos que tal contagem não
poderia em nenhum ponto ter sido completada. Mas Sorajbi novamente tem uma
resposta pronta: dizer que a contagem não deve ter terminado em nenhum ponto
confunde a contagem de um número infinito de anos com a contagem de todos os
números. Em qualquer ponto do passado, o contador eterno já terá contado um
número infinito de números, mas isto não implica que ele terá contado todos os
números negativos. Eu não penso que o argumento faz esta alegação equivocada, e
isto pode ser tornado claro examinando-se a razão porque nosso contador eterno
é supostamente capaz de completar a contagem dos números negativos terminando
em zero.
De forma a justificar a
possibilidade deste feito intuitivamente impossível, o argumento do oponente
apela ao chamado Princípio da Correspondência usada na teoria dos conjuntos
para determinar se dois conjuntos são equivalentes (ou seja, possuem o mesmo
número de membros) ao comparar os membros de um conjunto com os membros do
outro conjunto e vice versa. Com base neste princípio, o opositor argumenta que
desde que o contador viveu, digamos, um número infinito de anos e desde que o
conjunto de anos passados pode ser colocado em uma correspondência de um-a-um
com o conjunto de números negativos, segue que ao contar um número por ano, um
contador eterno iria completar a contagem de números negativos até o ano
presente.
Se perguntássemos por que o
contador não poderia terminar no ano que vem ou em uma centena de anos, o
opositor responderia que antes do presente ano, um número infinito de anos já
teria passado, então, pelo princípio da correspondência, todos os números já
devem ter sido contados agora. Mas este raciocínio volta-se contra o opositor:
pois, como vimos, nesta explicação o contador já deveria ter terminado de
contar todos os números em qualquer ponto do passado, já que existe uma
correspondência um-a-um entre os anos do passado e os números negativos.
Portanto, não há equívoco entre contar um número infinito e contar todos os
números. Entretanto, neste ponto um absurdo mais profundo aparece à vista:
suponha que haja outro contador que faça a contagem no ritmo de um número
negativo por dia.
De acordo com o Princípio da
Correspondência, que fundamenta a teoria dos conjuntos infinitos e a aritmética
transfinita, ambos os contadores eternos terminarão suas contagens no mesmo
momento, mesmo que um esteja contando em um ritmo 365 vezes mais rápido que o
outro! Será que alguém pode acreditar que estes cenários podem, de fato, serem
obtidos na realidade, ao invés de representarem o produto de um jogo imaginário
jogado em uma esfera puramente conceitual de acordo com convenções lógicas
adotadas e axiomas?
No que diz respeito à premissa
(2.22), muitos pensadores objetaram que não precisamos considerar o passado
como uma série infinita sem começo e com um fim no presente. Popper, por
exemplo, admite que o conjunto de todos
os eventos passados seja realmente infinito, mas que as séries de eventos passados são potencialmente infinitas. Isto pode
ser visto começando-se no presente e numerando os eventos regressivamente,
formando assim um infinito potencial. Portanto, o problema de um infinito real
ser formado por adição sucessiva não aparece. De maneira similar, Swinburne
pensa que é duvidoso que uma série completa infinita sem início, mas com um fim
faça sentido, mas ele propõe resolver o problema ao começar no presente e regressar
ao passado, então a série de eventos passados não teria um fim e seria,
portanto, um infinito completo.
Esta objeção, entretanto,
confunde claramente a contagem regressiva
mental com o progresso real das
séries temporais dos eventos em si. Numerar as séries regressivamente a partir
do presente mostra apenas que se há um número infinito de eventos passados,
então podemos numerar um número infinito de eventos passados. Mas o problema é:
como esta coleção infinita de eventos veio a ser formada por adição sucessiva?
Como concebemos mentalmente as séries não afetam de maneira alguma o caráter
ontológico das séries em si como uma série sem início, mas com um fim, ou, em
outras palavras, como um infinito real completado por adição sucessiva.
Novamente, as objeções a (2.21) e (2.22) parecem menos plausíveis do que as
premissas em si. Juntas elas implicam (2.23), ou seja, que o universo começou a
existir.
PRIMEIRA CONFIRMAÇÃO CIENTÍFICA
Estes argumentos puramente
filosóficos para o começo do universo receberam confirmações extraordinárias a
partir de descobertas na astronomia e na astrofísica no século XX. Estas
confirmações podem ser resumidas em dois pontos: a confirmação da expansão do
universo e a confirmação das propriedades termodinâmicas do universo.
Com relação ao primeiro, a
descoberta de Hubble em 1929 do desvio para o vermelho na luz de galáxias
distantes iniciou uma revolução na astronomia talvez tão significante como a
revolução Copérnica. Antes disso, o universo como um todo era concebido como
estático; mas a conclusão impressionante a que Hubble chegou foi que o desvio
para o vermelho é devido ao fato de que o universo está, de fato,
expandindo-se.
A incrível implicação deste fato
é que se alguém traça a expansão de volta no tempo, o universo se torna denso e
mais denso até que se chega ao ponto de densidade infinita, do qual o universo
começou a expandir. A conclusão da descoberta de Hubble é que em algum ponto do
passado finito – provavelmente há 15 bilhões de anos atrás – o universo inteiro
se contraiu em um ponto matemático simples que marcou a origem do universo.
Esta explosão inicial veio a ser chamada “Big Bang”. Quatro dos mais
proeminentes astrônomos do mundo descreveram tal evento nestas palavras:
O universo começou de um estado
de densidade infinita… Espaço e tempo foram criados neste evento e também toda
a matéria do universo. Não faz sentido perguntar o que aconteceu antes do Big
Bang, é como perguntar qual é o norte do Pólo Norte. Da mesma forma, não é
sensato perguntar onde o Big Bang se localizou. O universo-ponto não foi um
objeto isolado no espaço; ele era o universo completo, e, portanto, a resposta
só pode ser que o Big Bang começou em todo lugar.
Este evento que marcou o início
do universo torna-se mais impressionante quando se reflete no fato de que um
estado de “densidade infinita” é sinônimo de “nada”. Não pode haver um objeto
que possui densidade infinita, porque se ele tivesse qualquer tamanho ele
poderia ser até mais denso. Portanto, como o astrônomo de Cambridge Fred Hoyle
apontou, a teoria do Big Bang requer a criação da matéria do nada. Isto porque
quando se volta no tempo, chega-se ao ponto em que, nas palavras de Hoyle, o
universo foi “reduzido a nada”. Portanto, o que o modelo do Big Bang parece
requerer que o universo começou a existir e foi criado do nada.
Alguns teóricos tentaram evitar
o início absoluto do universo implicado pela teoria do Big Bang ao especular
que o universo pode ter passado por séries infinitas de expansões e contrações.
Existem, porém, bons fundamentos para questionar a adequação de tal modelo
oscilante do universo: (i) o modelo oscilante parece ser fisicamente
impossível. Apesar de toda discussão sobre esses modelos, o fato parece ser que
eles são possíveis apenas teoricamente, mas não possivelmente. Como o falecido
professor Tinsley de Yale explica, em modelos oscilantes “mesmo que os matemáticos digam que o universo oscila,
não há física conhecida para reverter o colapso e saltar para uma nova
expansão. Os físicos parecem dizer que aqueles modelos começam do Big Bang,
expandem, colapsam e então acabam”.
Para que o modelo oscilante
possa ser correto, parece que as leis conhecidas da física teriam que ser
revisadas. (ii) O modelo oscilante parece ser observadamente indefensável. Dois
fatos da astronomia observacional parecem ir contra o modelo oscilante.
Primeiro, a homogeneidade observada da distribuição da matéria através do
universo parece inexplicável em um modelo oscilante. Durante a fase de
contração de tal modelo, buracos negros começam a engolir a matéria ao redor,
resultando em uma distribuição da matéria sem homogeneidade. Mas não há nenhum
mecanismo conhecido para resolver esta falta de homogeneidade durante a fase de
expansão seguinte.
Portanto, a homogeneidade da
matéria observada através do universo continua sem explicação. Segundo, a
densidade do universo parece ser insuficiente para a re-contração do universo.
Para que o modelo oscilante seja até mesmo possível, é necessário que o
universo seja suficientemente denso para que a gravidade possa superar a força
da expansão e puxar o universo de volta novamente. Entretanto, de acordo com as
melhores estimativas, se alguém levar em consideração tanto a matéria luminosa
quanto a matéria não-luminosa (encontrada em halos galácticos) como qualquer
contribuição das partículas de neutrinos para a massa total, o universo
continua tendo apenas metade do que é necessário para a re-contração.
Além disso, trabalhos recentes
em calcular a velocidade e desaceleração da expansão confirmam que o universo
está expandindo na chamada “velocidade de escape” e não vai, portanto, se
re-contrair. De acordo com Sandage e Tammann, “portanto,
somos forçados a concluir que… parece inevitável que o universo irá se expandir
para sempre”; eles concluem, portanto, que “o
Universo aconteceu apenas uma vez”.
SEGUNDA CONFIRMAÇÃO CIENTÍFICA
Como se não fosse o bastante,
existe uma segunda confirmação científica do início do universo baseada nas
propriedades termodinâmicas de vários modelos cosmológicos. De acordo com a
segunda lei da termodinâmica, processos que agem em um sistema fechado sempre
tendem a um estado de equilíbrio. Assim, nosso interesse está nas implicações
disso quando a lei é aplicada ao universo como um todo. Pois o universo é um
gigantesco sistema fechado, já que é tudo o que existe e não há energia fluindo
para dentro do exterior. A segunda lei da termodinâmica parece implicar que,
dado tempo suficiente, o universo irá atingir um estado de equilíbrio
termodinâmico conhecido como “morte térmica” do universo. Esta morte pode ser
quente ou fria, dependendo do universo expandir para sempre ou de eventualmente
contrair-se novamente.
Por um lado, se a densidade do
universo é grande o bastante para superar a força da expansão, então o universo
irá se contrair novamente em uma bola de fogo. Quando o universo se contrai, as
estrelas queimam mais rapidamente até finalmente explodirem ou evaporarem.
Quando o universo se torna mais denso, os buracos negros começam a engolir tudo
o que há em volta e a aglutinarem-se eles próprios até que todos os buracos
negros finalmente aglutinem-se em um gigantesco buraco negro de igual extensão
com o universo, de onde ele jamais voltará a surgir. Por outro lado, se a
densidade do universo é insuficiente para parar a expansão, como parece mais
provável, então as galáxias irão transformar todos seus gases em estrelas e as
estrelas irão se consumir.
Em 1030 anos o universo irá
consistir de 90% de estrelas mortas, 9% de buracos negros super-massivos e 1%
de matéria atômica. A física de partículas elementares sugere que depois os
prótons irão se decair em elétrons e pósitrons, tornando o espaço cheio de um
gás rarefeito tão ralo que a distância entre um elétron e um pósitron será do
tamanho da presente galáxia. Em 10100 anos, alguns cientistas acreditam que os
buracos negros em si irão se dissipar em radiação e partículas elementares.
Eventualmente toda matéria no universo frio, escuro e eternamente em expansão,
será reduzida a um gás ultra-ralo de partículas elementares e radiação. O
equilíbrio irá prevalecer, e todo o universo atingirá o estado final, onde
nenhuma mudança ocorrerá.
A questão que precisa ser
respondida é esta: se, dado tempo suficiente, o universo irá atingir a morte
térmica, então porque não está agora em um estado de morte térmica se ele
existiu por um tempo infinito? Se o universo não começou a existir, então ele
devia estar agora em um estado de equilíbrio. Alguns teóricos sugeriram que o
universo escapa da morte térmica final ao oscilar do passado eterno ao futuro
eterno. Mas já vimos que tal modelo parece ser fisicamente e observadamente
inviável. Mas mesmo que evitemos tais considerações e imaginemos que o universo
oscila, o fato é que as propriedades termodinâmicas deste modelo implicam o
exato começo do universo que seus proponentes tentam evitar.
Pois as propriedades termodinâmicas
de um modelo oscilante são tais que o universo expande mais longe e mais longe
a cada ciclo sucessivo. Portanto, quando se traça as expansões de volta no
tempo, eles se tornam menores e menores. Como um time científico explica, “o efeito da produção de entropia será alargar a escala
cósmica de ciclo a ciclo… portanto, olhando de volta no tempo, cada ciclo gerou
menos entropia, teve um ciclo de tempo menor, e teve um fator de expansão do
ciclo menor do que o ciclo que o seguiu”. Novikov e Zeldovich do Instituto
de Matemática Aplicada da Academia de Ciências da URSS portanto concluem: “O modelo multi-ciclo tem um futuro infinito, mas apenas
um passado finito”. Como outro escritor aponta, o modelo oscilante do
universo, portanto, ainda requer uma origem do universo anterior ao menor
ciclo.
Portanto, para qualquer cenário
que alguém escolha para o futuro do universo, a termodinâmica implica que o
universo começou a existir. De acordo com o físico P.C. Davies, o universo deve
ter sido criado um tempo finito atrás e está em um processo de término. Antes
da criação, o universo simplesmente não existia. Portanto, conclui Davies,
mesmo que não gostemos, devemos concluir que a energia do universo foi de
alguma maneira simplesmente “colocada” na criação como uma condição inicial.
Portanto temos confirmações
científicas e filosóficas para o início do universo. Com este fundamento, penso
que estamos amplamente justificados em concluir pela verdade da premissa (2)
que o universo começou a existir.
PRIMEIRA PREMISSA
A premissa (1) impressiona-me
como relativamente incontroversa. Ela é baseada na intuição metafísica de que
algo não pode vir do nada. Portanto, qualquer argumento em favor do princípio
está sujeito a ser menos óbvio que o princípio em si mesmo. Até mesmo o grande
cético David Hume admitiu que ele nunca afirmou uma proposição tão absurda como
que algo possa vir à existência sem uma causa; ele apenas negou que alguém
poderia provar o obviamente
verdadeiro princípio causal. Com relação ao universo, se originalmente não
houve nada – nem Deus, nem espaço, nem tempo –, então como poderia o universo
possivelmente vir a existir? A verdade do princípio ex nihilo, nihil fit é tão óbvio que eu penso que somos
justificados em abrir mão de uma defesa elaborada da primeira premissa do
argumento.
Todavia, alguns pensadores, ao
exercitarem evitar o teísmo implícito nesta premissa dentro do presente
contexto, sentiram compelidos a negar sua verdade. De maneira a evitar suas
conclusões teístas, Davies apresenta um cenário em que ele confessa que “não
deveria ser levado muito a sério”, mas que parece exercer uma forte atração
para Davies. Ele faz referência a uma teoria quântica da gravidade de acordo
com a qual o espaço-tempo em si poderia trazer o não-causado à existência do
absolutamente nada.
Enquanto admite que “não há uma teoria quântica da gravidade satisfatória”,
tal teoria “poderia permitir que o espaço-tempo
fosse criado e destruído espontaneamente e sem uma causa da mesma maneira que
partículas são criadas e destruídas espontaneamente e sem uma causa. A teoria
iria implicar certa probabilidade determinada e matemática de que, por exemplo,
uma bolha de espaço iria aparecer onde nada havia antes. Portanto, o
espaço-tempo poderia sair do nada como resultado de uma transição quântica sem
causa”.
Em verdade, a criação de pares
de partículas não fornece analogia para este vir-a-ser ex-nihilo radical, como Davies parece sugerir. Este fenômeno
quântico, mesmo que fosse uma exceção ao princípio de que todo evento tem uma
causa, não fornece analogia para algo vindo à existência do nada. Embora os
físicos falem disto como criação de pares de partículas e destruição, estes
termos são filosoficamente enganosos, porque tudo o que realmente ocorre é
conversão de energia em matéria ou vice versa. Como Davies admite, “o processo descrito aqui não representa a criação de
matéria do nada, mas a conversão de energia pré-existente em forma de matéria”.
Portanto, Davies ilude grandemente seu leitor quando ele afirma que “partículas… podem aparecer do nada sem uma causa
específica” e novamente, “ainda, o mundo da
física quântica produz rotineiramente algo do nada”. Ao contrário, o
mundo da física quântica nunca produz algo do nada.
Entretanto, para considerar o
caso em seus próprios méritos: a gravidade quântica é tão pouco compreendida
que o período anterior a 10-43 segundo que esta teoria espera descrever, tem
sido comparada por um engraçadinho como as regiões nos mapas dos antigos
cartógrafos marcadas com “Aqui há dragões”: ele pode ser facilmente enchido com
toda sorte de fantasias. De fato, não parece haver uma boa razão para se pensar
que tal teoria iria envolver o tipo de vir-a-ser ex-nihilo espontâneo que Davies sugere. Uma teoria da gravidade
quântica tem sido o objetivo para arranjar uma teoria da gravidade baseada na
troca de partículas (gravitões) ao invés da geometria do espaço, o que pode ser
trazido para uma Teoria da Grande Unificação que une todas as forças da
natureza em um estado super-simétrico no qual uma força fundamental e um tipo
simples de partícula existem. Mas não parece haver nada nisso que sugira a
possibilidade do vir-a-ser ex-nihilo
espontâneo.
Em verdade, não está de todo
claro que a explicação de Davies seja até mesmo inteligível. O que pode
significar, por exemplo, através da afirmação de que há uma probabilidade
matemática de que o nada deveria gerar uma região de espaço-tempo “onde nada
existia antes?” Isto não pode significar que, dado tempo suficiente, uma região
do espaço iria pular à existência em certo lugar, já que nem o lugar e nem o
tempo existem separados do espaço-tempo. A noção de certa probabilidade de algo
saindo do nada, portanto, parece incoerente.
Nesta linha de idéias, sou
lembrado de algumas observações de A.N. Prior relacionadas ao argumento
colocado por Jonathan Edwards contra algo vindo à existência sem uma causa.
Isto seria impossível, disse Edwards, pois então seria inexplicável porque toda
e qualquer coisa não poderiam ou não viriam chegar à existência sem uma causa,
já que antes de suas existências eles não possuem naturezas que poderiam
controlar suas vindas-a-existência. Prior fez uma aplicação cosmológica do
raciocínio de Edwards ao comentar sobre a teoria do estado estacionário quando
esta postula a criação contínua de átomos de hidrogênio ex-nihilo:
Não faz parte da teoria de Hoyle
que este processo seja sem causa, mas eu quero me definir melhor sobre isto, e
dizer que se ele é sem causa, então o que se alega acontecer é fantástico e
inacreditável. Se for possível que objetos – em verdade, objetos que realmente
são objetos, “substâncias possuidoras de capacidades” – venham a existir sem
uma causa, então é inacreditável que eles venham a se tornar objetos do mesmo
tipo, ou seja, átomos de hidrogênio. A natureza peculiar dos átomos de
hidrogênio não pode ser o que faz esse vir-a-existência possível para eles e
nem para objetos de qualquer outro tipo; pois os átomos de hidrogênio não possuem
esta natureza até que eles venham a tê-la, isto é, até que suas
vindas-a-existência tenham ocorrido. Este é o argumento de Edwards, de fato, e
aqui ele parece inteiramente convincente…
No caso em questão, se
originariamente nada existia, então por que o vazio deveria trazer à existência
o espaço-tempo espontaneamente, ao invés de, digamos, átomos de hidrogênio, ou
até mesmo coelhos? Como alguém pode falar da probabilidade de algo em
particular pular para a existência a partir do nada?
Davies em certa ocasião pareceu
responder que as leis da física são o fator de controle que determina o que irá
saltar sem causa à existência. “Mas qual das leis?
Elas devem estar ‘ali’ para o início de modo que o universo possa vir a
existir. A física quântica deve existir (em algum sentido) de modo que a
transição quântica possa gerar o cosmo em primeiro lugar”. Em verdade
isto parece excessivamente estranho. Davies parece atribuir às leis da natureza
um tipo de status causal e ontológico tal que elas forçam um vir-a-ser
espontâneo.
Mas isto parece claramente
enganoso: as leis da física não causam ou forçam nada por si mesmas; elas são
apenas descrições proposicionais de certa forma e generalidade que ocorre no
universo. E a questão que Edwards levanta é por que, se não há absolutamente
nada, seria verdade que qualquer coisa ao invés de outra deveria saltar à
existência sem uma causa? É fútil dizer que de alguma forma pertence à natureza
do espaço-tempo fazer isso, pois se não houvesse absolutamente nada então não
haveria nenhuma natureza para determinar que tal espaço-tempo devesse vir a
existir.
Até mesmo de forma mais
fundamental, todavia, o que Davies antevê certamente é tolice metafísica.
Apesar de seu cenário ser colocado como uma teoria científica, alguém precisa
ser corajoso o bastante para dizer que o Imperador não está vestindo nenhuma
roupa. Ambas as condições suficientes e necessárias para o surgimento do
espaço-tempo existiam ou não; se existiam, então não é verdade que nada
existiu; se não existiam, então parece ontologicamente impossível que algo deva
surgir do absoluto nada. Chamar uma geração espontânea à existência do nada de
“transição quântica” ou atribuí-la a “gravidade quântica” não explica nada; de
fato, nesta teoria, não há explicação. Ela apenas acontece.
Parece-me, portanto, que Davies
não forneceu nenhuma base plausível para negar a verdade da primeira premissa
do argumento cosmológico. Que tudo o que existe tem uma causa parece ser uma
verdade ontologicamente necessária, uma que é constantemente confirmada em
nossa experiência.
CONCLUSÃO
Dada a verdade das premissas (1)
e (2), segue logicamente que (3) o universo deve ter uma causa para sua
existência. De fato, penso que pode ser plausivelmente argumentado que a causa
do universo deve ser um Criador pessoal. Pois como poderia um efeito temporal
surgir de uma causa eterna? Se a causa fosse simplesmente um conjunto mecânico
e operacional de condições suficientes e necessárias que existem desde a
eternidade, então por que o efeito não existiria também desde a eternidade? Por
exemplo, se a causa da água ser congelada é a temperatura abaixo de zero grau,
então se a temperatura estivesse abaixo de zero grau desde a eternidade,
qualquer água presente estaria congelada desde a eternidade.
O único meio de se obter uma
causa eterna com um efeito temporal seria se a causa fosse um agente pessoal
que livremente escolhe criar um efeito no tempo. Por exemplo, um homem sentado
na eternidade pode querer se levantar; portanto, um efeito temporal pode surgir
de um agente eternamente existente. De fato, o agente pode criar da eternidade
um efeito temporal tal que nenhuma mudança no agente necessite ser concebida.
Portanto, somos trazidos não somente à primeira causa do universo, mas ao seu
Criador pessoal.
Em conclusão, vimos com base em
argumentos filosóficos e confirmações científicas que é plausível que o
universo teve um começo. Dado o princípio intuitivamente óbvio de que tudo que
começa a existir tem uma causa para sua existência, somos levados a concluir
que o universo tem uma causa para a sua existência. Com base no nosso
argumento, esta causa deve ser não-causada, eterna, imutável, atemporal e
imaterial. Além disso, ela deve ser um agente pessoal que livremente escolhe
criar um efeito no tempo. Portanto, com fundamento no argumento cosmológico de kalam, concluo que é racional crer que
Deus existe.
Por: William Lane Craig, Ph.D.
(Extraído do livro: “Em Guarda”)
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