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O trecho abaixo é extraído de meu livro: "Deus é um Delírio?"
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O
neo-ateu comum se vê em um dilema: por um lado, o ser humano é a espécie mais
evoluída, em disparado, em relação a todas as outras espécies do planeta. Por
outro, o ser humano é a única espécie
que majoritariamente sempre creu e adorou a Deus ou deuses, e se organizou em
formas diferentes de religião. Isso a princípio não seria problema, a não ser
pelo fato de os neo-ateus verem a crença em Deus como algo infantil e sinônimo
de atraso e involução, ao invés de evolução. O ser humano teria evoluído
mais que todos os outros animais e então teria caminhado por um rumo mais
atrasado e involuído que todos eles. Isso não é apenas um paradoxo ateísta, mas
um verdadeiro e gritante contrasenso.
Para
resolverem este problemático dilema, em que os ateus se vêem na difícil missão
de conciliar a evolução das espécies com o Homo
sapiens em seu grau mais elevado de evolução, e junto com isso a missão de
zombar e infantilizar a crença em Deus que é característica da esmagadora
maioria desta espécie mais evoluída – e somente desta espécie mais evoluída –,
os ateus começaram a apelar para as teses mais alucinantes e mirabolantes para
o surgimento da religião, ao ponto de o próprio Dawkins passar um capítulo
inteiro discorrendo sobre isso sem chegar a nenhuma conclusão satisfatória.
Um
dos mais famosos argumentos ateístas sobre a religião é o argumento marxista, segundo o qual a religião é criada para a
dominação social dos fortes sobre os fracos. Como todo e qualquer argumento
marxista, ele só poderia ser tolo, superficial e facilmente refutável. Segundo
essa visão, os líderes não acreditavam realmente que a religião que defendessem
fosse verdadeira, mas eles a inventaram assim mesmo, para poderem se aproveitar
dos leigos em cima disso. Marx demonstrou com isso não ser apenas um poço de
ignorância na política, mas também na religião. Como Peter Kreeft discorre:
“Porque os apóstolos mentiriam? Se eles mentiram, qual foi
sua motivação, o que eles obtiveram com isso? O que eles ganharam com tudo isso
foi incompreensão, rejeição, perseguição, tortura e martírio. Que bela lista de
prêmios!”[1]
De
fato, historicamente falando, todos os apóstolos, com exceção de Judas (que
suicidou-se), morreram martirizados,
ou seja, foram mortos em função de sua fé. Eles preferiram morrer – muitas
vezes de forma dolorosa e cruel – do que negar sua fé em Cristo. Eles poderiam
ter tranquilamente negado a fé e saírem livres, mas preferiram viver uma vida
humilde na terra, cheia de perseguições por todos os lados, e terminar com a
expressão máxima da negação do “eu”. Geisler e Turek corretamente assinalam que
“pessoas mal orientadas podem morrer por uma
mentira que elas consideram ser verdade, mas não vão morrer por uma mentira que
sabem que é uma mentira. Os autores
do NT estavam em posição de saber a verdade real sobre a ressurreição”[2].
A
ironia fica maior ainda quando vemos que os maiores genocidas da história da
humanidade foram ateus: Stalin, Hitler, Pol Pot, Mao Tsé-Tung, Lenin, Fidel
Castro, Mussolini, etc. Eles não criam em Deus, não obedeciam uma religião nem
reconheciam autoridades religiosas acima deles, mas isso nunca os impediu de
trucidar qualquer um que vissem pela frente. Em outras palavras, o que o
neo-ateu marxista quer nos convencer através deste argumento medíocre é que os
líderes religiosos cristãos, como Pedro e Paulo, que foram perseguidos a vida
inteira e sofreram o martírio, eram “opressores”, mas os verdadeiros genocidas, aqueles caras que nós realmente podemos chamar
de “dominadores” – e ateus – eram pessoas “livres da dominação e opressão da
religião”! Se você ainda acredita neste argumento marxista contra a religião,
suicide-se. Não há solução pra você.
O
segundo típico argumento ateísta é de que a religião foi criada por necessidade, e não por dominação. Para os adeptos desta
corrente, as pessoas que creem em Deus só decidem crer nele e seguir alguma
religião formal porque são iludidas pela fantasia de uma vida eterna. Quem não
quer “viver para sempre”? Todos querem. Então as pessoas começam a criar mitos
que as iludam e que as façam pensar que realmente existe uma vida eterna em
algum lugar e que vale a pena seguir uma religião para possuí-la. Em outras
palavras, as pessoas “fracas” creem em Deus porque precisam crer nele por algo maior, mas os “fortes” já são maduros o
suficiente para ter consciência de que isso não passa de uma ilusão (um
delírio) e não precisam mais de Deus – e estes “fortes” são os ateus,
logicamente!
O
problema com o “argumento da necessidade” é duplo. Em primeiro lugar, ele é uma
falácia genética. Ele não nos diz nada sobre a existência ou inexistência de
Deus, ele apenas explicaria por que tanta gente decide crer em Deus mesmo sem que ele exista. Perceba como que o
“argumento” não prova a inexistência de Deus; ao contrário, ele toma a
inexistência de Deus como uma verdade a
priori e segue por esta linha. Em outras palavras, a falácia genética, ao
invés de responder à pergunta: “Por que Deus não existe?”, tenta responder a
pergunta: “Já que Deus não existe, então por que as pessoas acreditam
nele?”. Não é uma evidência da inexistência de Deus e nem uma refutação dos
argumentos teístas, mas somente uma falácia genética, tal como Craig explicou
em seu debate com Peter Atkins[3]:
Atkins – No outro lado do argumento, estão as razões porque
as pessoas acreditam em Deus. Eu posso entender porque as pessoas creem em
Deus. É um senso de estar sozinho, é um senso de perplexidade...
Craig – Eu não vejo desta forma. Como isso não comete a
falácia genética de tentar dizer que, explicando como uma crença foi originada,
você, dessa forma, prova que a crença é falsa? Mesmo se fosse verdade que a
crença na existência de Deus fosse o produto de medo e ansiedade e assim por
diante (o que eu não admito), isso seria uma falácia genética, que é dizer que,
porque é assim que a crença se
originou, então a crença é falsa.
E
mesmo que houvesse pessoas que creem em Deus por necessidade, por quererem uma
vida eterna, isso não significa que todos
creiam em Deus por esta razão, e
muito menos significa que “Deus não existe” porque há pessoas que só creem por
necessidade! Isso seria o mesmo que eu dissesse que “há ufólogos que só creem
em extraterrestres porque querem que
extraterrestres existam”. Isso é verdade? Sim. Mas isso prova que
extraterrestres não existem? Lógico que não. Nem sequer é uma evidência disso!
Em
segundo lugar, o fato de muitas pessoas sentirem “necessidade” por Deus deveria
ser encarado de forma negativa? Para os neo-ateus, sim. Mas não precisamos ver
a questão por este ângulo. Há milhares de coisas que nós temos necessidade e que de fato existem. Por exemplo, eu tenho necessidade de água, e essa água existe para suprir a minha necessidade
dela. Por que, então, nós teríamos “necessidade” de Deus, mas este Deus
necessariamente não existiria? Ninguém
falou melhor sobre isso do que C. S. Lewis quando disse:
“As criaturas não nascem com desejos a menos que a satisfação
para tais desejos exista. Um bebê sente fome: bem, há algo como a comida. Um
patinho quer nadar: bem, há algo como a água. Os homens sentem desejo sexual:
bem, há algo como o sexo. Se descubro em mim mesmo um desejo que experiência
alguma neste mundo pode satisfazer, a explanação mais provável é que fui feito
para um outro mundo”[4]
Afirmar
que os teístas só creem em Deus porque desejam
que Deus exista é semelhante a afirmar que os neo-ateus só não creem em
Deus porque desejam que ele não
exista, e desta forma possam viver suas vidas da forma que bem entenderem, ao
invés de ter que seguir certos padrões morais extraídos da Escritura e da moral
judaico-cristã. De fato, muitos ateus são ateus por causa disso – para se verem
livres de qualquer responsabilidade. Eles desejam
que Deus não exista, e por isso creem
que Deus não existe. Mas nem o primeiro caso (do teísta que deseja que Deus
exista) prova que Deus não existe, nem o segundo caso (do ateu que deseja que
Deus não exista) prova que Deus existe. São falácias genéticas e, como tais,
devem ser descartadas da discussão inteligente e séria.
Há
também um terceiro argumento, muito típico dos neo-ateus, que funciona
basicamente da seguinte maneira:
Neo-ateu toddynho – Você só é
cristão porque nasceu em um país cristão e foi criado por pais cristãos! Se
tivesse nascido no Oriente Médio seria muçulmano! Se tivesse nascido na Índia
seria hindu! Se tivesse nascido em Israel seria judeu! Rá, te peguei!!! Onde
está o teu deus agora???
O
próprio Dawkins, apesar de não ter usado este argumento em seu livro, já o
utilizou diversas vezes em suas palestras[5].
Novamente, a falácia genética entra em cena. Se eu te dissesse que “você só é corinthiano
porque os seus pais são corinthianos!”, isso provaria a inexistência do time do
Corinthians? Infelizmente, não. Mas os neo-ateus pensam que se alguém diz que
“você só é cristão porque seus pais são cristãos!”, o Cristianismo está
refutado e Deus não existe!
Richard
Bushey também destacou:
“Esta frase parece ser algo do tipo, ‘se tu tivesses nascido
na China, muito provavelmente serias comunista’, ou ‘se tivesses nascido na
União Soviética, serias um ateu’. E depois? A forma como as pessoas passaram a
ter uma crença não nos diz nada sobre a veracidade dessa mesma crença. Eu posso
aprender que a Terra é redonda num livro para crianças, mas esse livro pode não
ser uma forma óptima para se obter conhecimento científico. Mas mesmo assim, a
minha crença de que a Terra é redonda é válida. Com este argumento, Dawkins dá
um exemplo clássico da falácia genética; ele tenta demonstrar a origem duma
crença, e com isso ‘prova’ que essa crença é falsa”[6]
Dizer
que “a única razão de você acreditar no Cristianismo é por ter sido criado em
um país cristão; portanto, o Cristianismo é falso” é equivalente a afirmar que
“a única razão de você acreditar na democracia é por ter sido criado em um país
democrático; portanto, sua visão de que a democracia é a melhor forma de
governo é falsa”.
NEO-ATEU
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ANTI-DEMOCRATA
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“A única razão de você acreditar no Cristianismo é
por ter sido criado em um país cristão; portanto, o Cristianismo é falso”
|
“A única razão de você acreditar na democracia é por
ter sido criado em um país democrático; portanto, sua visão de que a
democracia é a melhor forma de governo é falsa”
|
No entanto, isso não prova que a democracia é “falsa” ou que não seja a melhor de todas as opções a ser seguida, apenas mostra, no máximo, que nós temos uma tendência maior a sermos democratas quando vivemos em países democráticos – mas não refuta a existência ou natureza da democracia. Ou, então, o que você pensaria de alguém que te dissesse que “você só apoia a República porque vive no século XXI, mas se vivesse no século XVIII apoiaria a Monarquia”? Isso não nos diz que a República não é melhor que a Monarquia, apenas mostra que podemos ter mais tendência a sermos republicanos por estarmos no século XXI.
Mais
uma vez, essa falácia não tem absolutamente nada a dizer a respeito da
veracidade ou não do Cristianismo, ou acerca da existência ou inexistência de
Deus. No máximo ela pode explicar o porquê que a maioria de nós somos cristãos
em um país cristão, e o porquê que a maioria das pessoas que vivem em países
oficialmente ateus são ateus (grande coisa!). Cabe ressaltar que, em função da
evangelização e globalização, está cada vez mais comum que alguém que vive em
um “país cristão” (no sentido de ser historicamente majoritariamente cristão)
não seja cristão, assim como está cada vez mais comum que alguém que não vive em um “país cristão” seja cristão. Dois dos maiores
apologistas cristãos da atualidade, Dinesh D’Souza e Ravi Zacharias, nasceram
na Índia. E Dawkins é britânico, onde existe até religião oficial do Estado[7]!
A teoria memética de Dawkins
Em
seu livro, Dawkins menciona de passagem essas argumentações ateístas sobre a
religião e diz que nenhuma delas é suficientemente satisfatória. Que surpresa.
Então ele cria uma teoria alternativa, baseada no conceito memético que ele
criou em seu livro “O Gene Egoísta” (1976). O problema é que nem mesmo o
próprio conceito de “meme” é bem aceito na comunidade científica. São muitos os
cientistas que o tem caracterizado como uma “pseudociência” (curiosamente, o
mesmo termo que aplicam ao criacionismo que Dawkins tanto detesta!). O biólogo
e especialista em neurobiologia Steven Rose declarou em seu livro “Não em
Nossos Genes” que o conceito memético de Dawkins é reducionista e conduz ao
determinismo biológico – o qual Dawkins paradoxalmente sempre está tentando
evitar em seus debates.
Dawkins
parte de um princípio que é visto com desconfiança pela comunidade científica,
e em cima deste princípio duvidoso ele cria um outro princípio, que na verdade é a aplicação deste conceito no que diz respeito à religião – já dá
para perceber que não há embasamento científico consistente. A argumentação de
Dawkins neste ponto foi tão fraca que até mesmo o famoso evolucionista
brasileiro Marcus Valério, agnóstico, declarou que ficou “decepcionado pela falta de uma teoria memética mais
forte”[8].
Dawkins
bate forte na tecla de que a religião é uma espécie de vírus que vai sendo transmitido pelos memes da espécie humana – um “vírus”
que, paradoxalmente, levou milhões de pessoas a comportamentos morais mais
altruístas e sociais em relação ao próximo do que o ateísmo jamais foi capaz de
fazer. E, mais paradoxalmente ainda, aqueles que não tinham esse “vírus”
(ditadores ateus que nós já conhecemos bem) assassinaram muito mais gente em um
século do que os religiosos “com o vírus” já mataram em vinte séculos – isso
sem falar da enorme desproporção entre a população teísta e ateísta. Os ateus
estão em bem menor número, mas
mataram muito mais gente.
Mesmo
assim, é importante para Dawkins manter de pé seu conceito de que “religião é
um vírus”, o que transmite uma noção de insanidade mental a bilhões de pessoas
no mundo que são religiosas, sendo que somente os ateus estão “sãos”, curados e
totalmente imunes a este “vírus”. É a velha tática do “ateus fortes; teístas
fracos”, que é um merchandising ateísta
que tem como única finalidade aumentar o ego do ateu, para que ele se veja como
“superior” e “mais evoluído” do que os não-ateus. Ou, para ser mais claro, só
serve para tirar neo-ateus “toddynho” do
armário – que é o propósito maior da obra de Dawkins.
O
conceito memético de Dawkins contra a religião é, além de tudo,
autocontraditório, em especial em relação ao capítulo em que Dawkins ataca a
religião como “a raiz de todos os males”. David Robertson acentua:
“E outra vez há uma incongruência no argumento ateísta que
está sendo usado aqui. Por um lado, o senhor sustenta que os deuses são
conceitos sociais das várias tribos/povos da humanidade. Por outro, afirma que
a religião é a causa das várias cisões e rivalidades étnicas. O que é isso? Os
povos inventam religiões para que possam guerrear uns contra os outros, ou a
religião cria povos que, devido à religião deles, odiar-se-ão e combaterão um
ao outro?”[9]
Nós
não precisamos explanar mais as contradições de Dawkins neste ponto porque
Alister McGrath, que além de teólogo é também pós-doutorado em biofísica, já
fez um excelente trabalho a este respeito em “O Delírio de Dawkins”, refutando
com mais profundidade os erros que Richard comete nesta parte de seu livro. Por
hora, basta observar que Dawkins e demais neo-ateus em geral falham
miseravelmente sempre quando tentam colocar o ateísmo como a “posição-padrão”
dos seres humanos, e a crença em Deus como algo irracional ou fora da curva. A
realidade mostra exatamente o contrário.
[1] Citado por Norman Geisler e Frank Turek em “Não tenho
fé suficiente para ser ateu”.
[2] Norman Geisler e Frank Turek, Não tenho fé suficiente para ser ateu.
[4] Citado por David Robertson em “Cartas para Dawkins”,
Sétima Carta.
[5] Veja por exemplo em:
1) https://www.youtube.com/watch?v=alPp1xOBtKg
2) https://www.youtube.com/watch?v=soHt_iuaSYw
1) https://www.youtube.com/watch?v=alPp1xOBtKg
2) https://www.youtube.com/watch?v=soHt_iuaSYw
[7] Caso alguém não saiba, trata-se da Igreja Anglicana.
[9] David Robertson, Cartas
para Dawkins, Terceira Carta.
Gostaria de saber sua opinião acerca do destino do incultos. Obrigado.
ResponderExcluirÉ a mesma que eu tenho a respeito dos povos não alcançados. Veja aqui:
Excluirhttp://ateismorefutado.blogspot.com.br/2015/04/o-destino-dos-povos-nao-alcancados.html